A direita usa o combate à corrupção para evitar a democracia

A divulgação de conversas espúrias entre Sérgio Moro e os
procuradores da Lava Jato revela a trama do golpe de 2016 e da
eleição de Jair Bolsonaro.
Por José Carlos Ruy*, especial para o Vermelho
Foto: André Tambucci/ Fotos Públicas

Manifestações da direita (na Avenida Paulista) dizia ser de combate à corrupção.

A Lava Jato, desde que surgiu, em de março de 2014, tem sido apresentada
como a maior operação anticorrupção já ocorrida no Brasil. Isto só é verdade
em parte, como os partidos e personalidades do campo democrático e
patriótico denunciam desde a conspiração que levou ao golpe de 2016, que
afastou do governo a presidenta eleita, e sem crime de responsabilidade, Dilma
Rousseff. E que teve base no escândalo midiático causado pelas revelações e
vazamentos da Lava Jato.
A pretexto de combater a corrupção, a Lava Jato – agindo em conluio com
autoridades do governo dos EUA – destruiu empresas brasileiras, levando-as à
inoperância e à falência, resultando em um número de desempregados que se
conta aos milhões. E quebrando também a concorrência que faziam a
empresas dos EUA na América Latina e na África.

A Lava Jato foi principalmente o grande fator de desmoralização da política no
Brasil, destruindo a confiança em instituições como o Congresso Nacional, o
Judiciário (parte do qual se envolveu profundamente nas articulações golpistas
de 2015/2016), nos partidos políticos e nas próprias empresas brasileiras,
criando o caldo de cultura que levou, em 2018, à eleição do candidato da
extrema direita, Jair Bolsonaro, à presidência da República – um candidato cuja
submissão ao presidente Donald Trump, dos EUA, traduz sua subserviência ao
imperialismo comandado por Washington.
A política – a disputa política democrática por diferentes projetos para o país e a
sociedade – é apanágio da democracia. O soberano é o povo, princípio que a
constituição de 1934 consagrou ao dizer "Todos os poderes emanam do povo e
em nome dele são exercidos".
Princípio que, a rigor, a classe dominante brasileira não aceita; ela não é
democrática, e logo rasgou aquela constituição instituindo a ditadura do Estado
Novo três anos depois, em 1937.
A classe dominante brasileira nunca foi democrática, e o autoritarismo e o
pensamento de direita sempre foram seu programa. Desde os tempos do
Império. Os conservadores brasileiros enchem a boca para dizer que o regime
monárquico fora democrático, sob o parlamentarismo de inspiração inglesa.
Não foi. Nele, a disputa política não se exerceu de maneira democrática, nunca
houve a rotatividade mínima no poder. Na Inglaterra o poder do rei era
submetido ao parlamento que indicava o chefe do governo, o primeiro ministro –
daí as disputas políticas intensas que ocorriam.
Esta realidade nunca existiu no Brasil monárquico, onde a inspiração inglesa
era apenas formal: aqui era o monarca quem indicava o primeiro ministro,
depois submetido à aprovação da Câmara dos Deputados. Se fosse rejeitado,
o monarca simplesmente dissolvia a Câmara e convocava novas eleições, para
chegar à maioria parlamentar que a aprovação do escolhido pelo monarca
exigia.
Nestas condições não há – nem pode haver – disputa política democrática
verdadeira, apesar dos intensos conflitos que ocorriam, chegando muitas vezes
ao enfrentamento armado.
A classe dominante brasileira nunca aceitou a legitimidade da disputa política
democrática, e isso se acentuou depois de 1930 – sobretudo desde a década
de 1950 – quando o nacional desenvolvimentismo se apresentou com
condições reais de comandar o poder da República.
Foi nessa época que a hipocrisia moralista do combate à corrupção emergiu
como a bandeira que, ocultando os interesses antidemocráticos, antipopulares
e antinacionais da classe dominante, pudesse galvanizar o povo – sobretudo
setores da classe média – para desmoralizar a política e impulsionar a direita na
luta pelo poder.

Foi o mote da campanha direitista em 1954, contra o presidente Getúlio Vargas
– acusado de, a pretexto de um empréstimo do Banco do Brasil para a
fundação do jornal "Última Hora", estar envolto num "mar de lama". Campanha
que culminou com seu suicídio em 24 de agosto.
Vargas, que fora ditador entre 1937 e 1945, era rejeitado, no segundo
mandato, devido ao programa de industrialização e desenvolvimento do Brasil,
baseado na soberania nacional e no protagonismo dos trabalhadores, com uma
política econômica que previa o emprego, a distribuição de renda e a liberdade
sindical – em seu segundo mandato ele aboliu, por exemplo, a exigência de
atestado ideológico para candidatos em eleições sindicais. Isso a maioria da
classe dominante brasileira nunca aceitou!
O suicídio de Vargas adiou por uma década a tomada do poder pela direita,
que ocorreu em abril de 1964, com base nas mesmas alegações moralistas e
anticomunistas (dizia-se haver uma inexistente ameaça comunista no Brasil).
Com o mesmo ímpeto que há, em nosso tempo, de desmoralização da política.
A bandeira dos golpista de 1964 valorizava os "técnicos" contra os "políticos",
vistos sempre como corruptos.
O nacional desenvolvimentismo era inaceitável para os conservadores, que
sempre defenderam uma política semelhante à dos atuais neoliberais. Mas a
direita não podia combatê-lo abertamente justamente por que isso revelaria o
caráter antidemocrático, antipopular e antinacional das pretensões
conservadoras.
O biombo da moralidade serviu, assim, perfeitamente para ocultar o verdadeiro
programa da direita. Da mesma forma como, na eleição passada, Bolsonaro se
recusou a comparecer a debates, para não explicitar o programa contra o povo,
a democracia e a Nação sugerido em suas diatribes costumeiras.
A bandeira da luta contra a corrupção tem servido, neste mais de meio século
desde a década de 1950, para a direita disfarçar seu autoritarismo. Mesmo nos
momentos em que setores progressistas da população acenaram com a luta
anticorrupção – no final da ditadura militar houve frequentes denúncias de mau
uso de recursos públicos por autoridades do governo; em 1992, foi o leit-motif
do Fora Collor -, mesmo nesses momentos, a direita e a mídia alinhada a ela
usaram as denúncias como pretexto para desmoralizar a política e manter a
porta aberta para seu retorno ao poder. O Fora Collor, por exemplo, centrado
principalmente na denúncia da corrupção e secundariamente na denúncia do
programa privatizante e neoliberal, pavimentou o caminho para a volta do
neoliberalismo ao governo, com a eleição do "honesto" e de "origem
esquerdista" Fernando Henrique Cardoso.
Sob os governos democráticos, de inspiração popular, de Luís Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff, a direita e os conservadores enfrentaram o maior, mais
profundo e longo período de democratização no Brasil. Cujo sucesso, apesar
das limitações evidentes que houve – só para citar duas delas, a reforma
agrária que avançou pouco e a democratização da mídia, que ficou em falta –
provocou a maior reação da direita jamais vista no Brasil. Aliados aos mandões

estadunidenses de sempre, setores do Judiciário, em conluio com a mídia
conservadora e amplos setores das classes dominantes iniciaram em 2014 a
operação Lava Jato a partir de uma ideia justa – combater a corrupção
endêmica no Brasil. Que sempre existiu e marcou os governos republicanos –
Campos Sales, por exemplo, o quarto presidente da República (1898-1902)
"comprava" jornalistas para defender o governo.
No pouco mais de meio século desde a década de 1950 o poder da
especulação financeira, que sempre deu as cartas no Brasil, foi posto em
xeque por governos voltados para o desenvolvimento nacional, para o
fortalecimento das estruturas produtivas do país e, assim, à regulamentação da
ganância especulativa.
A Lava Jato nasceu para combater os governos que apontavam para a
democracia, o desenvolvimento e afirmação soberana do Brasil. Não para
combater a corrupção, como foi propagandeado desde o início. Como os
setores democráticos e patrióticos sempre denunciaram. E que agora, a
divulgação das gravações pelo site The Intercept Brasil, revela ao mundo.

*É jornalista.
Vermelho

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