Agenda de Lula em Nova York revela pragmatismo econômico e foco ambiental

Prioridade para encontros bilaterais foi dada a países que contribuem
para o Fundo Amazônia, além de ampliar apoio a acordo comercial com
Mercosul. Além de Ucrânia e EUA, entraram ainda Paraguai e Palestina.

Com uma dezena de encontros bilaterais, o presidente Luis Inácio Lula
da Silva, precisou escolher a dedo a quem dar prioridade. Segundo o
Itamaraty foram cerca de 60 pedidos de agendas com o presidente em
Nova York, para onde foi abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas. O
foco na proteção ambiental e no desenvolvimento sustentável, com
ênfase na economia verde, tem sido o mais nítido nos discursos públicos
a cada agenda.No entanto, é possível observar outras nuances.
Na segunda-feira (18), Lula se encontrou com o presidente da
Confederação Suíça, Alain Berset, e com o ex-primeiro-ministro britânico
Gordon Brown. Na terça-feira (19), Lula se encontrou com António
Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, antes do discurso de
abertura da Assembleia Geral. Depois, uma sequência de líderes
europeus. Alexander Van der Bellen, presidente da Áustria, Olaf Scholz,
chanceler da Alemanha, e Jonas Gahr Støre, primeiro-ministro da
Noruega. Fecha o dia com o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas.
Na quarta-feira (20), estão previstos encontros com Joe Biden,
presidente dos EUA, com Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia,
com Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização
Mundial da Saúde, e, finalmente, Santiago Peña, presidente do Paraguai.
Fundo Amazônia e acordo europeu
Suíça, Áustria, Alemanha, Noruega e EUA são contribuintes do Fundo
Amazônia e interessados em parcerias com o Brasil em setores de
desenvolvimento sustentável e energia renovável. Biden também está
interessado nestas pautas, parte de sua plataforma de governo.
No entanto, o acordo comercial entre o Mercosul e a Europa tem sido
alvo de discursos contundentes de Lula, ao criticar a morosidade dos
europeus, seu protecionismo agrícola e as ameaças infundadas de
sanções ambientais. Embora não apareça no discurso público, este tema
está implícito nos encontros com Scholz e os demais líderes europeus. A
própria ênfase no tema da sustentabilidade ambiental em todos os
discursos revela um Brasil que se posiciona como líder no assunto, e
reduz as desculpas europeias para não fechar um acordo comercial ao
ridículo.
Lula já discutiu o acordo entre Mercosul e EFTA com o presidente suíço.
EFTA é a Associação Europeia de Livre Comércio, integrado por Suíça,
Noruega, Islândia e Liechtenstein, um acordo complementar ao da UE.
Com isso, um acordo com um grupo menor ajuda a neutralizar
resistências com a UE.
Durante 40 minutos, Lula e Berset também falaram sobre a Presidência
do Brasil no G20, até novembro de 2024, e do interesse da Suíça em

participar das discussões do grupo. Berset disse que seu país viu com
bons olhos a mudança na política brasileira sobre o meio ambiente e o
papel do Brasil no combate às mudanças climáticas. Nesse tema, os dois
líderes destacaram a onda de calor incomum que atinge o Brasil nesta
semana e falaram dos eventos climáticos extremos que aconteceram
recentemente no Rio Grande do Sul e na Líbia.
Brasil e Suíça têm parcerias em ciência, tecnologia e inovação. Na
cooperação bilateral, destacam-se projetos em áreas como
neurociências, saúde, energia e meio ambiente – com perspectiva de
cooperação em nanotecnologia, tecnologias da informação e das
comunicações, energias renováveis, ciências humanas e sociais. Em
2022, o comércio bilateral entre Brasil e Suíça movimentou US$ 3,6
bilhões.
A reunião com o presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen
contemplou transição energética, energia limpa, edição da COP 30 em
Belém e até mesmo o desejo do Brasil de partir para um projeto de
“industrialização verde”.
O encontro com Scholz também é representativo para esta pauta do
acordo comercial, considerando que a Alemanha é a maior economia
europeia além de grande parceiro brasileiro, sem as resistências
representadas pela França. Lula jogou peso nesta reunião ao convocar
os ministros Paulo Pimenta (Comunicação Social), Marina Silva (Meio
Ambiente), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e
Margareth Menezes (Cultura), além do chanceler Mauro Vieira para a
reunião.
A reunião com Santiago Peña, a segunda de Lula com o novo presidente
paraguaio, certamente girará em torno da renovação do acordo de Itaipu,
fonte de 9% de toda a energia elétrica consumida no país. O acordo é
estratégico para o Brasil e pode representar redução no preço para o
consumidor brasileiro.
Retomada de relações
Os encontros com Tedros Adhanom Ghebreyesus da OMS e com Abbas,
presidente palestino, retomam relações institucionais com lideranças que
foram tratadas de forma controversa pelo governo anterior. Assim, Lula
reforça sua prioridade no combate à fome e no programa de imunização
brasileiro, assim como retoma o apoio do Brasil a defesa de um Estado
Palestino.
Para Abbas, o encontro o fortalece internamente como líder, afinal,
conseguiu uma agenda com Lula dentre outros 60 pedidos. A violência
israelense sem precedentes dos últimos meses tem fragilizado a unidade

palestina, dificultando o diálogo interno entre as forças políticas. Abbas
está à frente da Palestina desde 2005 e, desde então, não conseguiu
organizar eleições gerais, devido ao racha com o Hamas.
Controvérsia e benefício mútuo
Naturalmente, os encontros mais aguardados serão com Zelensky e
Biden. O presidente ucraniano espera convencer Lula a apoiá-lo em
alguma medida, enquanto o brasileiro espera ouvir um plano para
interrupção dos confrontos com a Rússia. Em Nova York, o ucraniano
espera ser recebido como super star, embora as controvérsias em torno
de sua gestão corrupta e ineficiente sobre a guerra crescem dia a dia.
Por outro lado, a complexidade da guerra faz com que qualquer encontro
entre Zelensky e líderes mundiais se torne uma pedra no sapato. Todos
torcem para terminar a reunião sem constrangimentos e até passando
desapercebido.
Com Biden, Lula terá sua segunda reunião bilateral em menos de dez
meses, mais um telefonema e duas reuniões multilaterais no G20. É a
segunda vez de Lula nos EUA nesse mandato, que, além do debate
ambiental, agora agrega uma plataforma trabalhista e a defesa dos
sindicatos. Uma agenda útil para o americano e confortável para Lula,
reforçando sua defesa dos trabalhadores uberados.
A pauta deve se concretizar no documento “Coalizão Global pelo
Trabalho”, em que os dois presidentes defenderão liberdade sindical e
garantias aos trabalhadores de aplicativos.
Reforma da ONU
Antes de discursar na ONU, Lula encontrou-se com António Guterres.
Observou-se o perfeito alinhamento do discurso do secretário-geral da
ONU com o presidente Lula. Ele primeiro defendeu a reforma das
instituições de governança global, incluindo o que Lula também defende,
que é o Conselho de Segurança da ONU. Ele alertou que o mundo está
passando por um processo de ruptura e que as organizações não
refletem a realidade do mundo atual.
As divisões estão se aprofundando entre os poderes econômicos e
militares, entre o norte e o sul, o leste e o oeste. É hora de renovar
instituições multilaterais baseadas nas realidades econômicas e políticas
do século XXI. Não é a primeira vez que Guterres faz esse discurso
defendendo essa reformulação, mas ele nunca fez de uma maneira tão
direta. Isso foi interpretado por alguns integrantes da diplomacia
brasileira como um aceno mais efetivo para a inclusão de novos países
ao grupo dos cinco, que são Rússia, China, Estados Unidos, França e
Reino Unido.

Mesmo sendo de praxe que o Brasil, como o país que faz o primeiro
discurso tradicionalmente, tenha um encontro com o chefe da ONU
antes, avalia-se que Guterres teria se sentido um pouco mais seguro
para defender as bandeiras de Lula. Lula fez dois pedidos e António
Guterres fez a defesa de dois pontos. Um deles foi a defesa de uma
reformulação do Conselho de Segurança da ONU e Lula também
defendeu claramente a necessidade de uma regulamentação do
pagamento aos países em desenvolvimento dos créditos de carbono,
que seria um montante de até US$ 100 bilhões que o Brasil poderia
receber nos próximos anos, até 2030. Esse foi um dos pontos que
António Guterres também mencionou em seu discurso, numa grande
coincidência com a posição brasileira.
É notável também que Biden veio na sequência e reiterou a sua posição
sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU, dizendo, inclusive,
que há consultas com parceiros relevantes a respeito do assunto.
Fonte: Vermelho

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