Ano de 2019 foi agitado para a jurisprudência trabalhista

RETROSPECTIVA 2019

Por Mariana Machado Pedroso

Este ano de 2019 foi, sem dúvida nenhuma, bem agitado sob o aspecto jurisprudencial trabalhista. Como era de se imaginar, após grandes alterações que entraram em vigor ao final de 2017, era necessária a fluência do lapso temporal para que os hiatos fossem preenchidos pelos julgados que se seguiram.

No entanto, antes de adentrar no Tribunal Superior do Trabalho (TST) para colocar luz sobre as decisões deste ano, é necessário um pit stop no Planalto.

O ano de 2019 certamente chamou a atenção também pelas incontáveis e constantes alterações, sobretudo por meio de edição de medidas provisórias. Somente este ano foram editadas, pelo presidente da República, quatro que afetaram direta ou indiretamente o Direito do Trabalho. Vale lembrar que a reforma trabalhista aniversariou há pouco, contando com 2 anos de resistência.

Merecem destaque duas destas MPs. Uma delas foi convertida na Lei Federal de nº 13.846/19 que provocou grandes alterações na legislação previdenciária tendo, em sua redação final, provocado menos mudanças do que as inicialmente pretendidas. Já a outra, mais recente – MP 905 – e ainda vigente, também chamada de MP do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, acabou ficando conhecida como minirreforma trabalhista. Para essa ainda é necessário aguardar se será ou não convertida em lei.

Retornando, agora, para as decisões deste ano, é de se notar que o Tribunal Superior do Trabalho elucidou alguns pontos aguardados pela comunidade jurídica que serão trazidos, abaixo, de forma exemplificativa.

Em fevereiro, após o retorno das férias dos ministros, destaca-se a decisão que reconheceu nula cláusula convencional que exigia a inserção da classificação internacional de doenças – CID – nos atestados médicos e odontológicos para serem aceitos. Tal decisão, apesar de óbvia, merece maior reflexão. Afinal, ao empregador tal informação é de extrema relevância para que possa avaliar a contribuição da atividade laboral no quadro de adoecimento do empregado.

No mesmo mês, o TST também validou norma coletiva que suprimiu as horas in itinere quando comprovada a concessão de outras vantagens que, no caso julgado, eram indenização na aposentadoria, auxílio escolar e indenização especial de despedida, entre outras.

E os julgamentos afetos às normas coletivas continuaram no TST que, em abril, entendeu que a cláusula que concedia auxílio cesta básica apenas aos filiados ao sindicato seria nula. Também entendeu ser válido o controle de ponto por exceção, ou seja, apenas situações excepcionais como faltas, saídas antecipadas, atrasos, licenças e horas extras, deverão ser anotadas.

Ainda, reconheceu o TST, por sua maioria, que a dispensa de empregado portador de câncer é, sim, discriminatória. Para isso, concluíram os ministros que tal enfermidade, além de grave, é comumente associada a estigmas.

Já para os condomínios residenciais o alívio veio com a decisão proferida em maio pelo Tribunal, que afastou a insalubridade e, por consequência, seu adicional para aqueles empregados que recolhem o lixo das unidades residenciais.

E dando validade ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o TST também reconheceu como lícita a terceirização feita pelos bancos da atividade de call center – o que impactou diversas decisões já proferidas pelo País. Isso porque vinha sendo reconhecida como ilícita tal terceirização, o que acarretava o reconhecimento do vínculo do empregado diretamente com as instituições bancárias. Ao assim decidirem, os julgadores alçaram esses empregados à categoria de bancários, estendendo, portanto, a eles todos os direitos e benefícios desta categoria, inclusive jornada diária de 6 horas.

Outra decisão, esta de caráter mais processual do que material, facilitou o acesso à Justiça pelos empregados. A partir de junho o TST, em uma interpretação ampliada, tem aceitado que a ação judicial contra empresa com atuação nacional, seja proposta na jurisdição do domicílio do empregado, e não no local de prestação de serviços ou da contratação, como determinado na CLT.

No segundo semestre, o Tribunal Máximo Trabalhista confirmou a necessidade de assistência sindical quando o empregado que pede demissão contar com mais de 1 ano de contrato, ainda que a própria lei tenha excluído a obrigatoriedade, como regra, da homologação da rescisão pelo sindicato.

Já com relação às contribuições para o sindicato, ficou expressamente firmado o entendimento de que apenas aqueles valores que forem autorizados expressamente pelo empregado poderão ser descontados. Tal decisão está em alinho com entendimento adotado pelo STF – que reconheceu como constitucional a alteração legal que tornou facultativo o recolhimento da contribuição sindical.

Uma decisão processual relevante foi a de ser indispensável a juntada do voto vencido ao processo, sob pena de ser a decisão considerada nula. Também unificado o entendimento acerca dos adicionais de insalubridade e periculosidade e, agora, encerrada a discussão: é vedada sua cumulação.

Em outro norte, já no final do ano, entendeu o TST, por sua maioria, não ser estável a gestante contratada como temporária (Lei Federal de nº 6.019/74).

Já novamente sob o espectro processual, acolheu o TST a arguição de inconstitucionalidade do art. 879, §7º, da CLT, com redação dada pela reforma trabalhista que expressamente indicou a Taxa Referencial para a atualização dos débitos trabalhistas. Atualmente, o entendimento que deverá ser adotado para tal matéria está expresso em Medida Provisória (905): IPCA com juro de mora equivalente ao aplicado à caderneta de poupança.

Extrapolando um pouco o espectro do TST, chama atenção o conflito negativo de competência julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) tendo como parte a Uber. Na ação julgada, a discussão gravitava em torno dos direitos contratuais do motorista, melhor dizendo, a ação contemplava um pedido de obrigação de fazer – reativação de sua conta Uber para que pudesse voltar a usar o aplicativo e realizar os seus serviços – combinada com reparação de danos morais e materiais.

Não obstante amplamente noticiada, a decisão que reconheceu como sendo da Justiça comum a competência para apreciar a matéria afeta à relação entre o motorista e a Uber, limitou-se àqueles motoristas que se enxergam como empreendedores individuais, sem qualquer vínculo de emprego. Para estes casos em que o motorista entende prestar serviços de maneira pessoal, onerosa e, principalmente, subordinada à Uber, permanece a competência da Justiça do Trabalho.

Por fim, já no apagar das luzes, o TST validou a possibilidade de redução do intervalo intrajornada por norma coletiva, desde que respeitados os 30 minutos mínimos para jornadas superiores a 6 horas. Vale lembrar que todos os processos que versam sobre a validade de norma coletiva que limite ou restrinja direito trabalhista não assegurado constitucionalmente está suspensa nacionalmente aguardando decisão do ministro Gilmar Mendes desde julho (tema 1046), o que não impossibilitou a decisão do TST.

Assim, não obstante as decisões ora reproduzidas, com tantas outras proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho, muitas vezes em sentidos diametralmente opostos, é de se observar que muitas lacunas trazidas pelas alterações legais permanecem iguais.

Não há como confiar na segurança da homologação de um acordo extrajudicial firmado pelas partes nos exatos termos por elas escolhidos. Em que pese uma tendência relevante da jurisprudência para reafirmar a impossibilidade de o juiz interferir nos meandros da composição, limitando-se a homologar ou não homologar, ainda é cedo para recomendar às empresas que efetivamente encarem os acordos extrajudiciais.

Também ainda não é o momento de recomendar a flexibilização por normas coletivas nem mesmo dos direitos previstos no art. 611 da CLT. Afinal, a própria constitucionalidade do dispositivo ainda será analisada.

 é sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados e especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Revista Consultor Jurídico

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