Associe-se ! Ministro-banqueiro, Paulo Guedes assaca contra bancos públicos

Para ele, o setor financeiro estatal deve estar totalmente submetido aos interesses dos bancos privados.

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, soltou um festival de dados e conceitos falsos no ato de posse dos presidentes dos bancos públicos. Segundo ele, a máquina de crédito do Estado brasileiro sofreu um desvirtuamento nos últimos anos, acrescentando que a partir de agora os presidentes da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) terão um “olhar novo” para a gestão das instituições.

Para Guedes, o mercado brasileiro de crédito foi estatizado em meio ao “dirigismo econômico”, citando empréstimos “estranhos” do BNDES após ser capitalizado pela União. “Nós, economistas liberais, não gostamos disso”, garantiu.

O presidente Jair Bolsonaro também se manifestou, afirmando, em mensagem no Twitter, que sua equipe está levantando informações do BNDES e de outros órgãos do governo e irá divulgá-las, e que alguns contratos já foram desfeitos. Segundo Bolsonaro “não só a caixa-preta do BNDES, mas de outros órgãos” estão sendo levantadas e as informações serão tornadas públicas. O presidente não deu detalhes.

De acordo com o ministro Paulo Guedes, o Banco do Brasil também recebeu aumento de capital e a Caixa foi vítima de “saques, fraudes e assaltos aos recursos públicos”, repetindo a prática de assacar no lugar de argumentar. Agora, afirmou, a tarefa dos novos presidentes é “fazer a coisa funcionar da maneira certa”.

As nomeações aos bancos foram chanceladas por Guedes, que foi o responsável por indicar Pedro Guimarães à Caixa, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy ao BNDES e Rubem Novaes ao Banco do Brasil. “Quando o crédito é estatizado sobra menos para o resto do Brasil e aí os juros são absurdos”, afirmou o ministro. “Perderam-se os bancos públicos através de associações perversas entre piratas privados, burocratas corruptos e algumas criaturas do pântano político”, acrescentou ele, novamente assacando em vez de argumentar, repetindo frase que já tinha utilizado em seu primeiro discurso no cargo.

Séquito de banqueiros

Guedes e os próceres da sua equipe pertencem a um séquito de vorazes banqueiros que entraram no governo. O ministro comanda o rendez-vous do mundo das finanças no Estado. Como integrante das entranhas financeiras, gente do alto escalão do sistema bancário, ele entregou todo o setor do governo que cuida da economia nas mãos dos maestros do rentismo. Na verdade, o verdadeiro escândalo do sistema bancário está exatamente no setor privado.

Não é de hoje que se fala dos escandalosos lucros dos bancos no Brasil. Mesmo com a relativa baixa da taxa Selic, as instituições financeiras mantêm o spread — a diferença entre a remuneração que o banco paga ao aplicador para captar um recurso e o quanto cobra para emprestar o mesmo dinheiro — em patamares fora da realidade. Dados do Banco Mundial de 2016 apontam que o Brasil tem a segunda maior taxa de spread do mundo, perdendo apenas para Madagascar. O setor tenta justificar essa distorção alegando que ela se deve à elevada inadimplência, quando, segundo o Banco Mundial, a taxa média no mundo foi de 3,92%, enquanto a brasileira ficou um pouco abaixo, em 3,9%.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também tem estudos que indicam abusos de juros bancários no Brasil. Um deles mostra que o empréstimo para pessoa física chega a custar dez vezes mais do que em uma agência europeia do mesmo banco. No caso de pessoa jurídica, o brasileiro tem que pagar quatro vezes pelo empréstimo em relação ao valor cobrado nos Estados Unidos e na chamada Zona do Euro.

Dinherama do Proer

A atuação dos bancos (públicos e privados) na economia brasileira é um tema de grande relevância. A importância dessas instituições para o desenvolvimento econômico fica clara desde a criação do primeiro Banco do Brasil, no século XIX, e tem aumentado ao longo do tempo. Mas no período mais recente, desde a década de 1980, ainda no regime militar, o setor passou a ser dependente das benesses do Estado.

No final da década de 1980 e começo dos anos 1990, quando o setor bancário norte-americano mergulhou numa de suas piores crises, os negócios latino-americanos (o Brasil, em particular) tornaram-se o muro de arrimo para os bancos estrangeiros — uma avaliação do insuspeito The Wall Street Journal. Com a recessão provocada pelo Plano Collor e seu confisco, a demanda do mercado financeiro pendeu para o lado dos bancos tidos como mais seguros — os estrangeiros. Depois, logo após o Plano Real, a crise do sistema financeiro abalou ainda mais a credibilidade dos bancos privados brasileiros.

No final de 1995 veio a dinherama do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) – uma mamata de mais de US$ 20 bilhões drenada dos cofres públicos para evitar uma quebradeira generalizada dos bancos. E, de quebra, consolidou uma prática comum no Brasil: a conjunção de bancos quebrados e banqueiros riquíssimos; o que deixou o Proer coberto de ignomínia do berço à cova.

Série de medidas

Em meio ao vendaval, os bancos públicos também sofreram importantes modificações: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal foram reestruturados; o BNDES passou a atuar no desmonte do Estado, à frente do programa de privatizações; e as instituições financeiras estaduais foram privatizadas sob o comando do BC. O governo Lula começou a recuperar o papel dos bancos estatais, fortalecendo as linhas voltadas para o investimento público com taxas de juros reduzidas.

A presidenta da República, Dilma Rousseff, falando no encerramento do “Seminário Empresarial Oportunidades em Infraestrutura no Brasil” realizado em Nova Iorque no dia 25 de setembro de 2013, tocou no assunto. Ela acenou para o reposicionamento de bancos públicos no setor de crédito e anunciou que o governo federal vinha tomando uma série de medidas para enfrentar a crise e melhorar a economia brasileira estruturalmente, em meio a um ciclo de aceleração do crescimento econômico e social iniciado na década passada.

A participação dos bancos públicos na concessão de crédito, que era de 33% em 2008, saltou para 50,5% até julho de 2013. Nesse período, o Tesouro Nacional proveu cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) em recursos aos bancos estatais, sobretudo ao BNDES. “A orientação que nós tomamos é que essas instituições, as nossas instituições públicas, retornem às suas vocações naturais”, afirmou Dilma Rousseff. “Trata-se, portanto, de um reposicionamento dos bancos públicos na expansão do crédito ao investimento”, disse ela, reforçando a necessidade de participação do financiamento privado na infraestrutura do país.

Resultados desastrosos

Como parte do crédito público era direcionado — o empréstimo que o BNDES, a Caixa e o Banco do Brasil concediam era a taxas menores do que a Selic —, ele passou a ser alvo dos ataques que partiram dos interesses rentistas, com os mesmos assaques do agora ministro da Economia, Paulo Guedes, com amplo apoio da mídia. A banca privada, da qual dependem as empresas de comunicação por serem os bancos seus credores, grandes anunciantes e parte da engrenagem financeira da qual elas pertencem, sempre esteve fortemente envolvida nas eleições, fazendo generosas contribuições aos candidatos que lhe são simpáticos.

A posição dos conservadores, no entanto, revela resultados desastrosos. Segundo o prêmio Nobel da Economia Joseph Stiglitz, a crise mundial provou que o “pensamento da direita sobre a economia de mercado” está errado. “Não há dúvida sobre isso. A direita dizia que os mercados se regulariam por si, se ajustariam por si, que se houvesse algum problema os mercados arranjariam-se por si e muito rapidamente”, disse Stiglitz, acrescentando que também “havia a noção da sobrevivência dos mais fortes”. “Mas os bancos mais prudentes não sobreviveram — foram os bancos que arriscaram mais que sobreviveram”, recordou, sublinhando que por isso mesmo a crise -fragilizou todas as teorias da direita-.

Sobre o papel dos bancos centrais, ele disse não ter dúvidas de que a ideia de controlar apenas a inflação com recurso a taxas de juro de curto prazo falhou. Ele defende que o governo tenha maior papel na economia. “As instituições que criamos na primeira metade do século XX não estão preparadas para o século XXI. Precisamos de uma nova estrutura para o sistema financeiro após a crise. Temos que achar um equilíbrio entre o mercado e o Estado. As sociedades no mundo todo estão repensando isso, reconhecendo que uma economia mais próspera e justa exige esse equilíbrio com o governo”, destacou.

Indexação de juros

Para o professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Carlos Braga, a abertura de créditos facilitados e os investimentos de bancos públicos são fundamentais para o desenvolvimento do país. “O investimento público precisa ter este perfil porque com isso ele vai puxar o crescimento de maneira decisiva”, disse ele em seminário promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), vinculado à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, em 2006. “Puxando o investimento de maneira decisiva, o investimento público impacta o setor privado, o que melhora o emprego e a oferta de mercadorias”, avaliou.

De acordo com Braga, o país precisa recuperar o índice de desenvolvimento alcançado na década de 1940, quando a economia nacional crescia cerca de 8% ao ano. Ele indicou que é necessário aumentar os investimentos públicos para promover a distribuição de renda. O investimento em infraestruturas — como estradas, pontes, hospitais, portos, saneamento básico e escolas — que são essenciais para a economia depende quase exclusivamente do setor público e tem efeitos multiplicadores, refletindo-se na geração de empregos e renda. O destino e a forma de execução desses investimentos têm uma grande incidência sobre o desenvolvimento nacional.

Os problemas que o Brasil precisa enfrentar nesse campo não são novos. Pode-se dizer que são estruturais, daí a magnitude que eles encerram. O Brasil convive com a anomalia de uma agiotagem financeira oficializada, alimentada pela indexação de juros – TR, TJLP, TBF, CDB, CDI, over, spread, Selic etc. -, desde 1964. A Assembleia Nacional Constituinte de 1988 pretendeu corrigir a anomalia estipulando juros máximos, para qualquer modalidade, de 12% ao ano, como era antes de 1964. Mas o poder conservador passou por cima do espírito da Constituição.

Da redação, Osvaldo Bertolino

Vermelho

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