Crescimento, estagnação e os ajustes festejados pela mídia

Notícias de perspectivas positivas para a economia desconsideram o
rebaixamento do padrão de vida do brasileiro e a brutal concentração de renda.
por  Marcio Pochmann
Na perspectiva dos donos do dinheiro e seus porta-vozes midiáticos, o
aprofundamento da agenda neoliberal herdada de Temer pelo governo
Bolsonaro teria permitido realizar os ajustes essenciais para que
a economia brasileira voltasse a crescer sustentadamente. Com isso, o
corte nos investimentos e gastos governamentais que torna o Estado
menor, reduziria o déficit público e permitiria que o protagonismo do setor
privado comandasse a expansão econômica.
Em termos simples, estaria em vigor, segundo a teoria neoliberal, a
passagem da situação macroeconômica dominada pelo efeito de
exclusão do setor público da direção produtiva (crowding out) para o
efeito de inclusão (crowding in) das empresas privadas na liderança dos
investimentos de capital e elevação do nível do emprego da mão de
obra.
Ou seja, após longo período em que o governo competiria com o setor
privado por recursos para o financiamento do déficit público, o Brasil
ingressaria na situação cuja dinâmica produtiva estaria sob o comando
do setor privado e, portanto, liberado o crescimento potencial da
economia.
Isso porque a redução dos gastos públicos viria acompanhada pela
redução da taxa de juros real e, por consequência, o encorajamento das
empresas privadas a ampliar os investimentos e gastos na contratação
de trabalhadores e componentes de produção.
Assim, o desempenho favorável da Bolsa de Valores, acompanhado da
expansão do crédito e de retiradas do FGTS, indicaria o quanto a
redução na taxa de juros e no custo de contratação da mão de obra –
que já vêm desde Temer – inauguraria a nova e favorável situação
macroeconômica nacional.
Acontece que o rebaixamento do padrão de vida da maioria dos
brasileiros desde 2015 esteve associado à brutal concentração da renda

em poder dos ricos, cuja propensão a consumir é bem inferior à da
parcela restante da população.
Dessa forma, a retomada dos investimentos pelo setor privado seria
questionável, especialmente quando prevalece capacidade ociosa na
estrutura produtiva, aumento dos lucros retidos pelas empresas, e, ainda,
a desaceleração no crescimento populacional.
O receituário neoliberal, contudo, se mostrou eficiente para elevar a taxa
de lucro do setor privado. Sobretudo nas grandes corporações, que
aumentaram o grau de monopólio por meio da incorporação de outras
empresas, bem como se beneficiando da reforma trabalhista a diminuir
os custos do trabalho e da desregulamentação das contratações e
demissões.
Mas a queda nos juros básicos e a elevação na taxa de lucros das
empresas não foram suficientes para restabelecer nem mesmo o nível de
demanda agregada, ainda inferior ao patamar de 2014.
Reflexo disso tem sido a ausência do crescimento da produtividade, a
impossibilitar o aumento na taxa de lucro que não seja pela diminuição
continuada na taxa de salários, impactando negativamente no padrão de
vida e, em sequência, a prevalência do enfraquecimento na capacidade
de consumo das famílias.
A alternativa do endividamento a financiar o consumo encontra-se
comprometida atualmente pela instabilidade das ocupações, menor
rendimento do trabalho e o expressivo grau de dívidas acumuladas pelas
famílias.
Por conta disso, em vez da retomada do crescimento econômico, tende a
prevalecer situação macroeconômica dominada pela estagnação. Em
termos técnicos, a instalação da armadilha da liquidez conforme prevista
por J. Keynes, ainda na década de 1930, quando a política monetária
tornar-se-ia disfuncional, uma vez que a queda na taxa de juros, mesmo
se aproximando de zero, não se apresentaria capaz de fazer com que os
empresários reagissem com a elevação dos investimentos de longo
prazo.
Ao invés disso, poderia ocorrer o maior esforço de parte dos detentores
do dinheiro pela retenção dos recursos disponíveis para, em função da
queda na taxa de juros, evitar a efetivação da redução dos ganhos
financeiros originalmente esperados. Ou seja, o próprio aprofundamento
do rentismo das classes abastadas no Brasil, o que inviabilizaria o
crescimento, mantendo a estagnação.
Fonte: RBA

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