Crítica de Bolsonaro à emenda do trabalho escravo expõe desconhecimento da lei

Ao contrário do que sugeriu o presidente, trabalho escravo e em condições

análogas à escravidão são o mesmo crime

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) criticou esta semana a Emenda Constitucional
81, aprovada em 2014, que permite a expropriação de imóveis nos quais haja
flagrante de trabalho escravo.
O teor da crítica do capitão reformado, que já constava no programa de governo
apresentado por sua candidatura em 2018, se baseou em uma distinção
conceitual inexistente no campo jurídico.
Segundo ele, haveria uma “linha tênue” entre trabalho escravo e trabalho em
condição análoga à escravidão. Essa indefinição, em sua opinião, geraria
insegurança a produtores rurais: “O trabalhador, o empregador, tem que ter essa
garantia. Quem tem coragem de investir num país como esse?”.
Ao se dirigir ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra
Martins, deixou explícita sua confusão, dizendo que colegas do magistrado
“entendem que o trabalho análogo à escravidão também é escravo. E pau neles
[produtores rurais]”.
Sinônimos
Segundo a jurista e pesquisadora Andrea Gondim, autora da dissertação
“Trabalho em condição análoga à de escravo no meio urbano”, os dois termos, na
verdade, “falam da mesma figura”. Ou seja, são sinônimos para descrever o que
alguns estudiosos chamam de “escravidão contemporânea”.
“São utilizados vários termos, mas o que eles querem dizer é que ainda hoje
acontece de pessoas serem submetidas a situações similares à escravidão.
Quando a gente utiliza o uso reduzido do termo [‘trabalho escravo’], é para
sensibilizar à sociedade exatamente para isso”, afirma.
De acordo com Gondim, “do ponto de vista técnico-jurídico” o termo mais
apropriado é “trabalho em condição análoga à de escravo”, já que houve Abolição
formal do escravagismo em 1888.
Penalidade
A Emenda citada pelo presidente modificou o artigo 243 da Constituição, que já
previa a expropriação – perda de propriedade sem indenização – para o caso de
tráfico de entorpecentes.
“O texto dispõe que as propriedades podem ser expropriadas quando flagrada a
‘exploração do trabalho escravo na forma da lei’. Ou seja, nada impede que se
utilize [para a definição] o artigo 149 do Código Penal para a expropriação.
Quando se fala em trabalho escravo no contexto atual se está falando do trabalho
descrito no Código Penal”, afirma Gondim.
O Código Penal, assim, dá uma definição do que se pode considerar o trabalho
escravo contemporâneo no Brasil: “trabalhos forçados”, “jornada exaustiva”,
“condições degradantes de trabalho” e restrição, “por qualquer meio, [de] sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador”.
De acordo com o Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, mantido pelo
Ministério Público do Trabalho em cooperação com a Organização Internacional do

Trabalho, no período de 2003 a 2018, ocorreram 45.028 resgates de pessoas em
situação de trabalho análogo à escravidão no país.
O frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma das entidades
que sempre atuou na notificação de suspeitas de trabalho escravo, explica que os
focos de trabalho escravo variam aos longos dos anos, passando de setores como
madeireiras na Amazônia, na produção de carvão, nos canaviais e, mais
recentemente, em áreas urbanas como a indústria têxtil.
O religioso afirma que nos últimos três anos as ocorrências têm diminuído. “Uma
característica permanente é invisibilidade. A suspeita é que haja uma
subnotificação [nos últimos anos] por vários motivos. E também que tenha havido
mudanças reais após 25 anos de fiscalização”, argumenta.
Um dos possíveis fatores mencionados por Plassat é a piora no mercado de
trabalho, que teria levado a um temor maior para a realização de denúncias por
parte dos trabalhadores. Em 2018, fiscais identificaram cerca de 1700 situações
de trabalho escravo, resgatando 1133 pessoas.
Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), 8 mil
auditores fiscais do trabalho seriam necessários para cobrir todo o território
nacional. Atualmente, o Brasil tem 2,2 mil profissionais contratados.
O ritmo das operações dos auditores fiscais vai na contramão da urgência da
erradicação do trabalho escravo. Informações disponibilizadas em agosto do ano
passado pelo extinto Ministério do Trabalho mostraram que o número de
fiscalizações está em queda.
No ano de 2017, por exemplo, foram realizadas 88 operações de fiscalização,
resultado do contingenciamento de 52,2% no plano orçamentário para esse fim.
Em 2016, foram 115.

Fonte: Brasil de Fato

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