Debate no Senado alerta sobre a pejotização do trabalho
Com votação no STF próxima, tema reuniu especialistas que
defenderam fortalecimento da Justiça do Trabalho; desde 2022, mais
da metade dos MEIs foram abertos por ex-empregados
por Murilo da Silva
Publicado 29/09/2025 17:17 | Editado 29/09/2025 17:44
Foto: Freepik
O Senado promoveu nesta segunda-feira (29) o debate sobre
“Precarização das Relações de Trabalho: Pejotização, Terceirização e
Intermediação”. Convocado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a sessão
antecipou uma discussão que estará na pauta do Supremo Tribunal
Federal (STF) nos próximos dias.
Com o início da presidência da Corte pelo ministro Edson Fachin, o
tema será um dos primeiros tratados sob sua liderança. Há uma
expectativa positiva, pois Fachin já demonstrou apoio à Justiça do
Trabalho.
Os julgamentos sobre pejotização (Pessoa Jurídica) nas cortes
trabalhistas encontram-se parados desde abril por determinação do
ministro do STF, Gilmar Mendes. A expectativa é que colegiado do
Supremo determine uma resolução geral sobre os reconhecimentos
de vínculos empregatícios, destravando os processos e a atuação do
Judiciário.
“Vivemos tempos em que os direitos dos trabalhadores estão
sofrendo ataques permanentes. Nada melhor que um debate franco
e aberto para apontarmos caminhos, sempre com muito diálogo”,
afirma Paim.
De acordo com o senador, a precarização do trabalho assume
diversas formas e todas vão na linha de reduzir custos para o
empregador e transferir riscos e responsabilidades para os
trabalhadores.
“Estou me referindo àquelas propostas que realmente fragilizam as
leis trabalhistas. Entre essas práticas, destacam-se a pejotização, a
terceirização e a intermediação irregular. Além, também, do
enfraquecimento da Justiça do Trabalho”, diz.
Debate no Senado. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Debate
Na tribuna do Senado, o presidente da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Valter Souza Pugliesi,
criticou as tentativas de banalizar o tema de forma maniqueísta,
como se não houvesse formas de associar a geração de mais
empregos com proteção trabalhista.
“Nada mais atual quando nos defrontamos com o desafio das novas
formas de produção e prestação de serviços, guiadas pela nova
revolução, agora tecnológica, que nos desafia a pensar e repensar o
mundo do trabalho sem permitir que sejamos tragados pelo discurso
fácil da necessária flexibilização para a manutenção dos empregos,
que carrega carga subliminar de ameaça, ou, na expressão que
ouvimos em tempo recente: é melhor ter menos direitos e emprego
do que mais direitos e desemprego”, analisa Pugliesi, ao citar a defesa
da flexibilização de direitos que permeou o governo de Jair Bolsonaro
sob orientação do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes.
Também houve espaço para discordância. O diretor-executivo do
Instituto Livre Mercado, Rodrigo Marinho, defendeu a atuação das
empresas de aplicativo, acusadas de dificultar a regulação do
mercado. Para ele, existe uma falta de sintonia no governo, uma vez
que se comemora o baixo desemprego, mas se faz críticas às
empresas de aplicativo, responsáveis por oferecer trabalho: “políticas
públicas não devem ser medidas pelas suas intenções, e sim pelos
seus resultados”, justifica.
Na visão de Marinho, o Congresso permitiu um avanço positivo em
reconhecer a legitimidade da terceirização e agora também precisa
reconhecer o papel dos aplicativos de entrega e transportes,
afastando a pauta do entendimento do STF.
Pejotização
A procuradora do Trabalho e vice-coordenadora nacional de Combate
às Fraudes nas Relações de Trabalho, Priscila Dibi Schvarcz, fez
questão de explicar o que se entende por pejotização.
“É um termo que foi criado para adjetivar uma fraude. E a gente está à
frente da possibilidade de institucionalizar a pejotização. Quando o
empregador contrata um empregado e, ao invés de registrar a
carteira de trabalho ele contrata como PJ (Pessoa Jurídica), ou como
MEI (microempreendedor individual), e muitas vezes, inclusive,
custeia a própria criação dessa PJ, ele tem o único objetivo de afastar
a incidência dos direitos dos trabalhadores”, alerta Schvarcz, ao
apontar que essas condições estão cada vez mais comuns, o que
esvazia qualquer opção dos trabalhadores.
Preocupação
O ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Luiz
Philippe Vieira de Mello Filho, demonstrou preocupação com o
desmonte da legislação trabalhista, pois rompe com o pacto
sociopolítico definido na Constituição de 1988.
Para ele, os trabalhadores contratados como PJ estão desprotegidos,
sendo obrigados a trabalhar muito mais do que o período habitual,
inclusive finais de semana, e são mais passíveis a assédio: “O que nós
estamos vendo com esse tipo de construção é exatamente o
afastamento e a redução a pó do artigo 7º da Constituição Federal
[direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social], que não se aplicará a quem
está no mundo do trabalho, nem para o trabalho decente”,
argumenta Filho.
Segundo o presidente do TST, estas formas de contratação que
burlam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) atacam a
construção histórica de luta social, de reivindicação de direitos e de
fortalecimento de classes.
“Eu não vejo progresso nisso, eu vejo retrocesso. Talvez o progresso
seja construir uma outra legislação com outro desenho para
determinadas formas de trabalho, mas não desproteger, porque nós
temos velhice, acidentes, descanso, temos uma série de proteções
que vem da Previdência Social. Como vai ficar esse discurso? Quem
vai pagar a Previdência? Quem vai ser responsável pelas gerações
futuras?”, pergunta o magistrado.
Em defesa da pejotização, o gerente de gestão das representações da
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
(CNC), Sérgio Henrique Moreira Sousa, entende que o modelo é uma
“expressão da liberdade econômica e da livre iniciativa da autonomia
do trabalhador”. Dessa maneira, espera que a regulação da área
assegure direitos, mas preservando a competitividade empresarial e a
escolha de quem trabalha.
Leia mais: APPs transformam mercado de trabalho e aprofundam
precarização
O discurso do representante da CNC foi rebatido pela coordenadora-
Geral de Fiscalização e Promoção do Trabalho Decente do Ministério
do Trabalho e Emprego, Dercylete Lisboa Loureiro.
Como elucida, a pejotização do trabalho está intrinsecamente
relacionada à fraude: “Isso é um neologismo, pejotização é uma
palavra que não existia. Pejotização e “cnpjotização” são sinônimos de
fraude. É disso que se trata. É como se quisessem enganar os
trabalhadores e as trabalhadoras, levando-os a uma compreensão
equivocada”, rebate a auditora que atua na área há 26 anos.
Loureiro apresentou dados que mostram como os trabalhadores
estão sendo coagidos a prestar serviços como PJ.
Entre janeiro de 2022 e julho de 2025, 5,5 milhões de CPFs (Cadastro
de Pessoa Física) tiveram os contratos de trabalho extintos e
passaram a ser vinculados a um cadastro PJ, dado representado por 6
milhões de empresas vinculadas a estas pessoas – o número superior
indica que muitos abriram até mesmo mais de uma empresa ou se
tornaram sócios de outros negócios, para prestar diferentes serviços.
Desse total de 6 milhões de CNPJs (Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica) abertos, 4,7 milhões são de MEIs, 954 mil são optantes do
Simples Nacional (microempresas ou de empresas de pequeno porte)
e 347 mil estão em outros tipos empresariais.
“Com isso, nós podemos afirmar que nesse período [janeiro de 2022
até julho de 2025] temos 8,3 milhões de MEIs criados. Desses mais de
8 milhões, 4,7 milhões são ex-empregados. Assim, nós temos 56,67%
de MEIs que são ex-empregados. Ou seja, é um total desvirtuamento
do MEI. Porque, se ele foi criado com o objetivo de trazer
microempreendedores para ter uma proteção social, hoje, o MEI se
tornou um instrumento de informalidade, pois está retirando
trabalhadores, que estão com a sua carteira de trabalho anotada,
para irem para a informalidade”, lamenta a servidora do Ministério do
Trabalho.
‘Gamificação’ e escravidão moderna
O assessor jurídico da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST),
representando as centrais sindicais, Cristiano Brito, aproveitou para
explicar como as plataformas digitais que oferecem trabalho
precarizado têm construído artimanhas para envolver a juventude e
controlar todos os seus passos.
“Um caso concreto e recente é a “gamificação” do trabalho [elementos
de jogos para o app com a oferta de trabalho]. Como um jogo de
videogame, dá pontos, dá prestígio para aquele que cumpre uma
certa demanda. As plataformas agora, para além do controle do
pessoal, dão um chip de telefone e você passa a ter controle total do
trabalhador. Então, se sabe o horário que o trabalhador começa a
trabalhar, para onde ele vai, qual rumo tomou. Então, essa oferta de
um chip como benefício, na prática, centraliza na empresa e permite
o monitoramento continuado do trabalhador, com geolocalização,
padrões de conexão e os horários que ele começou e desativou”,
denuncia.
Já a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE), Rosilene Corrêa Lima, demonstrou sua
preocupação com o discurso neoliberal assumido pelos trabalhadores
de aplicativo, pois esvazia o debate, assim como qualquer instância
de representação de classe.
“O mais grave, na minha leitura, é quando a gente percebe que as
pessoas estão convencidas de que isso [pejotização] de fato é o
melhor. Isso é muito perigoso. Onde estará a resistência? E não é por
acaso que também esse novo trabalhador não quer reconhecer qual
é o papel de um sindicato, não quer se sindicalizar, para ele isso não
tem importância. Então, onde é que nós estaremos? A classe
trabalhadora estará reunida onde? A resistência se dará de que
forma? A partir de que organização? Qual defesa será feita se o
próprio trabalhador está convencido de que isso é o melhor para ele?
É muito grave”, considera Lima.
Por fim, o diretor de assuntos parlamentares do Sindicato Nacional
dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), Leonardo José Decuzzi,
provocou quem acompanhava a sessão, de forma online e presencial:
“Temos que pensar qual é o tipo de país que estamos construindo e
qual é o tipo de trabalho que deixaremos para as novas gerações. O
país do trabalho precário, da escravidão moderna, ou do trabalho
digno?”, questiona.
Fonte: Vermelho

