Globo, Folha e Estadão avançam contra Bolsonaro

Nesta quinta-feira (27) pós-Carnaval, os três principais diários do País registram, em seus editoriais, um repúdio ao novo descalabro do bolsonarismo

A grande imprensa brasileira – que marchou unida no Golpe de 64, no impeachment de Fernando Collor (1992) e no golpe contra Dilma Rousseff (2016) – começa a pôr em xeque seu ardiloso apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Ainda que a agenda econômica ultraliberal tenha avançado nestes quase 14 meses de governo – com o pronto apoio de todos os conglomerados de comunicação no País –, a ameaça autoritária fala cada vez mais alto.

O vídeo compartilhado por Bolsonaro em meio aos festejos de Carnaval, divulgando no WhatsApp as manifestações golpistas do próximo dia 15 de março, soou como uma gota d’água. Os atos são abertamente contrários ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, no limite, ao Estado Democrático de Direito. Pior: são “vendidos”, em alguns segmentos da extrema-direita, como uma cerimônia de aval coletivo, da sociedade civil, a um novo golpe militar.

Nesta quinta-feira (27) pós-Carnaval, os três principais diários do País – O GloboFolha de S.Paulo O Estado de S. Paulo – registram, em seus editoriais, um repúdio ao novo descalabro do bolsonarismo. A Folha vai um pouco além e sugere, pela primeira vez, a via do impeachment. Vale ler a opinião da grande mídia – e dela cobrar que a postura mais crítica a era Bolsonaro não seja um fogo fátuo.

Estadão

O Estado de S. Paulo, jornalão mais simpático à candidatura da extrema-direita em 2018, é sutil. No editorial “O presidente e os golpistas”, o jornal da família Mesquita dá margem à dúvida e cobra do presidente uma explicação. “Bolsonaro precisa esclarecer, sem meios termos, que não apoia a convocação de uma manifestação em sua defesa e contra o Congresso Nacional, feita por seus apoiadores”, registra o Estadão. “Um presidente da República não é um cidadão comum e não pode permitir que seu nome seja usado para alimentar um protesto contra os demais Poderes constituídos.”

O diário paulista admite que os atos de 15 de março ensejam um “claro movimento golpista”. E não acolhe a desculpa de Bolsonaro – que afirmou ter apenas divulgado o vídeo a “algumas dezenas de amigos, de forma reservada”. Diz o Estadão: “Tudo o que diz um presidente da República, em razão de sua proeminência política, tem enorme poder de influenciar os rumos do País (…). Seu apoio tácito a um protesto contra o Congresso, mesmo que manifestado apenas a um punhado de simpatizantes, configura óbvio abuso de poder, pois incita ilegítima pressão popular sobre o Legislativo”.

Como não pode deixar de dar estocadas em governos progressistas ou de esquerda, o Estadão, desta vez, poupa as gestões Lula e Dilma, mas compara Bolsonaro ao peruano Velasco Alvarado e ao venezuelano Hugo Chávez – militares que chegaram ao poder na América do Sul com projetos de cunho nacional-popular. No caso brasileiro, o Estadão elogia a reação dos demais Poderes contra os desmandos do Executivo.

“Fazem bem o Congresso e o Supremo em se manifestar de modo sereno, mas firme, sobre o comportamento do presidente e de seus seguidores”, opina o Estadão, que, no entanto, pondera: “A despeito disso, é muito provável que os bolsonaristas continuem a testar os limites da democracia – e portanto cabe às instituições impedir que eles consigam ir além das bravatas.”

Globo

Mais incisivo – a começar pelo título, “Bolsonaro atenta contra a Constituição” –, o editorial do jornal O Globo recorda o histórico do presidente como parlamentar, “com um perfil de extrema direita”. E relativiza até seu êxito eleitoral na eleição 2018. Segundo o jornal, Bolsonaro teria sido “beneficiado (…) por uma conjunção feliz para ele”, marcada pelo antipetismo. Mas “muitos que usaram o voto para punir o PT” se afastaram, “à medida que o ex-capitão foi revelando toda a face de extremista, e não apenas na política”.

“Bolsonaro tornou-se, então, um presidente de baixa popularidade, sustentado por milícias digitais e claques de porta de Palácio. E passou cada vez mais a dirigir-se a estes bolsões”, dispara o jornal. “Vem demonstrando uma faceta temerária menos previsível: de esticar a corda em seu comportamento de extremista, sem qualquer preocupação com a importância e o decoro do cargo de presidente da República, agindo como chefe de facção radical, de bando, ultrapassando todos os limites do convívio democrático”.

A exemplo do EstadãoO Globo não engole as justificativas presidenciais para o envio do vídeo pró-golpismo. Conforme o jornal carioca, “mesmo que a atenuação feita por Bolsonaro possa reduzir tensões – é melhor que assim seja –, elas não devem se dissipar completamente”. Afinal, os convites para 15 de março citam o presidente e um dos militares ministros, general Augusto Heleno (Secretaria de Assuntos Estratégicos) – o mesmo que agrediu o Congresso na semana passada.

“Bolsonaro, com as frações radicais que o cercam, parece ter decidido entrar em rota de colisão com as instituições, cujo resultado pode ser uma crise institucional que não interessa a ninguém, inclusive a ele (…). A não ser que faça uma aposta arriscada, irresponsável e criminosa no caos”, conclui O Globo.

Folha

Dos três jornalões, a Folha é a menos condescendente. “Limite a Bolsonaro” é o título direto de seu editorial nesta quinta-feira. “Deram em nada as expectativas de que o presidente Jair Bolsonaro usaria o feriado para, em benefício do próprio governo, investir na distensão. O mandatário pôs fogo na fervura de movimentos extremistas que planejam manifestar-se no próximo dia 15”, resume o diário da família Frias.

Folha não poupa termos fortes. “Na tentativa de promover o ato, a escória do bolsonarismo difunde mensagens de ataque e insulto ao Congresso Nacional e de exaltação a oficiais militares, um apelo a sua intervenção. Trata-se de golpismo de extrema direita, francamente minoritário no país”, registra a Folha. “Os aloprados foram atiçados pelo ministro Augusto Heleno, que acusou congressistas de chantagem.”

O jornal paulista igualmente recusa as vênias de Bolsonaro: “O argumento de que se trata de interações privadas não o exime da responsabilidade a que o cargo o obriga. A segunda linha de defesa, de que o conteúdo compartilhado se restringe a enaltecer o chefe de Estado e não ofende outros Poderes, tampouco se sustenta. Bolsonaro sabe bem o teor dos atos que sua irresponsabilidade divulgou”.

Nada, porém, impressiona mais ali do que a clara sugestão da Folha à derrubada de Bolsonaro. “Diante das demonstrações reiteradas de desprezo pela institucionalidade e de violações dos requisitos legais de honra, decoro e dignidade para o exercício da Presidência, talvez apenas o medo do impeachment possa deter a perigosa aventura Bolsonaro”, diz o jornal. “Da resposta firme e inequívoca às provocações depende a continuidade da marcha civilizatória no Brasil. Passar a mão na cabeça de quem incentiva e pratica a brutalidade nunca foi método eficaz de defender o regime das liberdades.”

Bem-vindos

O Estadão, a Folha e, em menor grau, O Globo – todos apoiadores apaixonados do golpe de 64 – sofreram ao longo do regime militar (1964-1985) com a censura e a intervenção. Os diários paulistas apoiaram as Diretas Já e a redemocratização. A Globo não chegou a tanto, embora tenha sido o único jornalão a reconhecer publicamente que errou ao endossar o golpe contra João Goulart, marco inaugural da ditadura.

É salutar que, antes mesmo da metade do ruinoso governo de extrema-direita, o conjunto da grande imprensa avance contra o bolsonarismo. Os jornalões brasileiros, uns mais, outros menos, apoiaram a eleição de Bolsonaro, apesar de seu amplíssimo histórico antidemocrático. Quando FolhaEstadão e Globo reprovam abertamente a escalada autoritária do presidente, é sinal de que a luta contra o fascismo ganha cada vez mais tração. São todos bem-vindos a esta causa!

Fonte: Vermelho

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