Número de candidatas mostra que desigualdade na política ainda desafia mulheres.
Machismo estrutural e falta de políticas públicas para estimular e possibilitar a ampliação da participação feminina estão entre as raízes da baixa representatividade das mulheres.
Quando se trata de empoderamento político, o mundo masculino continua com predominância absoluta no Brasil. O número de mulheres que disputam as eleições deste ano explicita que o país segue em dívida com o segmento que representa mais da metade da sua população também quando o assunto é a busca pela igualdade de gênero na política.
De maneira geral, a presença feminina é baixa tanto nas candidaturas quanto nos espaços de poder, ainda que haja mecanismos legais criados para superar essa limitação. A raiz do problema reside principalmente no machismo e na estrutura patriarcal — que impõem às mulheres um papel ainda subalterno na sociedade capitalista —, mas também na falta de políticas públicas capazes de mudar essa situação.
Dados sobre as candidaturas disponibilizados no site do TSE no dia 16 de agosto mostram que as mulheres são uma minoria considerável nos cargos em disputa. E no caso das majoritárias, boa parte não figura entre os que têm maior chance de se eleger.
Considerando todas as candidaturas em disputa, para todos os cargos, há 33% de mulheres contra 67% de homens. Para presidente, por exemplo, são oito homens e quatro mulheres e para vice, são sete a cinco. Visto apenas pelos números, a realidade, neste caso, parece ser melhor, mas a maioria das mulheres é candidata por partidos menores e sem chance de se eleger ou sequer de disputar em igualdade de condições.
No caso da disputa aos governos estaduais, eles são 185 (82,96%) e elas 38 (17,4%). Nesse universo, conforme destacou O Globo recentemente, somente três são cotadas com chances de se eleger: Teresa Surita (MDB), em Roraima; Marília Arraes (Solidariedade-PE) e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT).
Nas candidaturas a vice nos estados, a conta é de 134 (59,82%) para os homens a 89 (39,73%) para as mulheres. Para o Senado, há 179 homens (76,17 %) e 55 (23,40%) mulheres em disputa; na primeira suplência são, respectivamente, 178 (75,42%) e 57 (24,15%).
Quanto às candidaturas a deputado federal, eles são 6.729 (65,48 %) e elas, 3.546 (34,50 %). Para estadual, são 10.906 (67,15 %) homens contra 5.334 (32,84 %) mulheres. Para distrital (no DF), eles são 386 (65,31 %) e elas, 205 (34,69 %).
Vale destacar ainda que as mulheres — que são 51% da população e 53% do eleitorado — representaram apenas 12,2% (677) das prefeitas eleitas no pleito de 2020. Em 2016, o percentual foi de 11,6% (641), segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dessa forma, 88% dos municípios brasileiros são comandados por homens.
Desproporcionalidade
Esses dados demonstram a desproporção entre a quantidade de mulheres na sociedade e a representatividade delas na política. Segundo o relatório Desigualdade de Gênero e Raça na Política Brasileira, divulgado pela Oxfam Brasil e pelo Instituto Alziras, a paridade de gênero nas prefeituras do país, por exemplo, “poderá levar até 144 anos para ser alcançada, se mantido o ritmo atual”.
De acordo com o estudo, no caso das candidatas, a comparação entre os pleitos de 2016 e 2020 revela que nesse último ano “houve maior equivalência entre a proporção de mulheres candidatas a prefeita (14%) e a parcela de recursos arrecadados por suas campanhas (18% do total). Em 2016, as mulheres eram 13% das candidatas a prefeita, mas acessaram apenas 12% da receita total”.
No caso do legislativo municipal, segundo as entidades, “as campanhas femininas permaneceram subfinanciadas em termos proporcionais, mas essa distorção foi reduzida significativamente em 2020. As mulheres eram 32,5% das candidatas a vereança com acesso a 21% da receita total em 2016 e passaram a ser 35% dos postulantes ao cargo de vereador em posse de 32% da receita total, uma diferença de 11 pontos percentuais no período”.
As análises feitas pela Oxfam Brasil e pelo Instituto Alziras levaram em consideração mudanças recentes como a proibição do financiamento empresarial, a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e a decisão da Justiça Eleitoral de 2020 de aprovar as cotas raciais e a dotação de pelo menos 30% dos recursos públicos e do tempo de propaganda eleitoral para as campanhas de mulheres. Além dessas medidas, os partidos são obrigados a cumprir o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas.
Machismo estrutural
Tauá Pires. Foto: arquivo pessoal
Ao Portal Vermelho a coordenadora de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil, Tauá Pires, diz que a dificuldade para as mulheres estarem em cargos políticos reflete as próprias desigualdades existentes na sociedade. “Isso porque as mulheres não estão, especialmente as negras, nos espaços de tomada de decisão e de poder do país. E isso é uma grande contradição se a gente pensar que mais da metade da população é composta por mulheres e dessas 27% são mulheres negras. Mas isso não está refletido dentro do espaço da política porque a política está endereçada para os interesses de uma minoria que é a detentora do patrimônio do país”.
Em consonância com essa avaliação, Lúcia Rincon, coordenadora do Fórum Permanente do PCdoB sobre a Emancipação das Mulheres, explica que “o machismo e o patriarcado têm raízes muito profundas na sociedade brasileira e ocidental. Isso significa que não há estímulo, nem reconhecimento à participação das mulheres no espaço público. E como consequência, também não há políticas públicas que garantam condições de igualdade”.
Anne Moura. Foto: Isa-Luchtenberg
Além das questões de fundo estrutural, Anne Karolyne Moura, secretária de Mulheres do PT e candidata a vice na chapa de Eduardo Braga (MDB) para o governo do Amazonas, aponta a necessidade de “uma fiscalização mais rigorosa junto aos partidos, para o cumprimento da cota dos 5% do fundo partidário para efetivamente ser investido no processo de formação e organização delas”.
Para mudar esse cenário com maior celeridade, aponta Tauá, “é necessário, em primeiro lugar, que haja compromisso dos partidos — e aí o fato de as mulheres não estarem nas mesas de decisão dos partidos é um fator que atrapalha esse processo. Por outro lado, também é necessário haver controle da sociedade e o cumprimento das decisões do TSE”.
Lúcia Rincon. Foto: reprodução/redes sociais
Outro fator que ela destaca é que “com a proibição de contribuição de empresas privadas, é muito importante que o fundo especial de campanhas seja utilizado pensando nas pessoas que não detêm recursos próprios porque o autofinanciamento ainda é muito forte”.
Tauá lembrou que nas eleições de 2016, por exemplo, o recurso de autofinanciamento para o Executivo foi o dobro do disponibilizado pelo fundo partidário. “Isso significa que as pessoas precisam ter recursos próprios para entrar na corrida eleitoral com as melhores condições e essa não é a realidade das mulheres, especialmente das negras”, acredita.
Na avaliação de Lúcia Rincón, a alteração dessa realidades depende de medidas no âmbito público e não será resolvida apenas com atuações individuais. “Cabe ao Estado, seja por meio de medidas repressivas, seja por meio de ações propositivas, garantir a participação das mulheres no espaço público e a participação dos homens no espaço privado. Isso significa ter políticas públicas. E numa sociedade com as características do Brasil e que sofre a intervenção do conservadorismo e do dogmatismo, essa posição atrasada de manter as relações de dominação de homens sobre mulheres — como a gente tem vivido especialmente nos últimos três anos — contribui sobremaneira para as mulheres continuarem sendo inferiorizadas e subalternizadas”.
Fonte: Vermelho