O que esperar do STF em matéria trabalhista no ano de 2021

A par da crise multidimensional causada pela pandemia da Covid-19, o ano de 2020 foi marcado por importantes decisões do STF na área trabalhista. Foram mais de 20 casos julgados, muitos deles bastante sensíveis e polêmicos, conforme exposto em retrospectiva publicada na rede social LinkedIn. 

Apesar dos inúmeros casos trabalhistas finalizados no ano passado, existem diversos outros temas ainda com mérito pendente de julgamento perante o STF, entre os quais pelo menos sete já estão pautados para julgamento em 2021, todos, por óbvio, discutindo a compatibilidade com a Constituição de 1988 de atos normativos relacionados ao Direito e ao processo do trabalho.

Cite-se, em primeiro lugar, caso no qual se discute a existência ou inexistência de direito da gestante, contratada pela Administração Pública por tempo determinado ou ocupante de cargo em comissão demissível ad nutum, ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (artigo 2º, artigo 7º, XXX, artigo 37, caput e incisos II e IX, todos da CRFB/88, bem como artigo 10, II, “b”, do ADCT) (Tema 542 — RE 842.844). O desfecho desse caso poderá causar impactos no entendimento consolidado no item III da súmula nº 244 do TST, cuja superação já foi inclusive proposta em julgamentos recentes do Tribunal Superior do Trabalho. 

Já no Tema nº 606 (RE nº 655.283), ainda não pautado, o STF decidirá sobre a possibilidade ou não da reintegração de empregados públicos dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea e da consequente possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos; assim como a competência para processar e julgar a respectiva causa (se da Justiça comum federal ou da Justiça do Trabalho) (inciso XXXVI do artigo 5º, do caput, dos incisos I, II, XVI e XVII e do §10 do artigo 37, do §6º do artigo 40, do artigo 41, do artigo 114, bem como do §1º do artigo 173, todos da CRFB/88). 

A propósito do assunto, vale lembrar que a Emenda Constitucional nº 103 de 2019 (reforma da previdência) incluiu no artigo 37 o §14, pelo qual “a aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do regime geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição”. Pode-se ver que agora a Constituição prevê expressamente a extinção automática do contrato de emprego nos casos de cargo público, emprego público ou função pública, inclusive do regime geral de Previdência Social.
Também está pendente de julgamento no STF o RE nº 999.435 (Tema 638), ainda não pautado, que julgará a validade da imposição, pelo Tribunal Superior do Trabalho, da obrigatoriedade de negociação coletiva para a dispensa em massa de trabalhadores (artigos 1º, IV, 2º, 3º, I, 4º, IV, 5º, II, 7º, I, 114, 170, II e parágrafo único da CRFB/88, bem como artigo 10, II, do ADCT).

Outro caso, também ainda não pautado, que provocará fortes impactos no Direito do Trabalho, sobretudo no que toca aos direitos fundamentais dos empregados, é saber se a abordagem de transexual para utilizar banheiro do sexo oposto ao qual se dirigiu configura ou não conduta ofensa à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, indenizável a título de dano moral (artigos 1º, III, 5º, V, X, XXXII, LIV e LV, e 93, CRFB/88) (RE nº 845.779 — Tema nº 778).

No tema 837 (RE nº 662.055 — ainda não pautado), o STF enfrentará a definição dos limites da liberdade de expressão, ainda que do seu exercício possa resultar relevante prejuízo comercial, bem como fixar parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras consequências jurídicas que lhe possam ser legitimamente impostas (artigos 5º, IV e IX, e 220, caput, §1º e §2º, da CRFB/88). O tema provocará reflexos no Direito do Trabalho, especialmente no que tange ao direito de crítica dos empregados aos empregadores em busca de melhorias de condições de trabalho, bem como em relação exercício do direito de boicote. 

De igual modo, será analisada pelo STF a possibilidade de percepção de remuneração inferior ao salário mínimo quando o servidor público laborar em regime de jornada de trabalho reduzida (tema nº 900, RE nº 964.659). Um dispositivos invocados como parâmetro de constitucionalidade foi o artigo 7º, inciso IV, da CRFB/88 e a ratio do julgamento poderá nortear o julgamento de casos trabalhistas.

No tema nº 922 (RE nº 820.823), o STF enfrentará, à luz do artigo 5º, inciso XX, da CRFB/88, a possibilidade ou não de associação condicionar o desligamento de associado à quitação de todos os débitos com a própria associação ou com terceiro a ela conveniado. Como todo sindicato é uma associação, o caso repercutirá na esfera da liberdade sindical (artigo 8º da CRFB/88).

Já no Tema nº 998 (ARE nº 959.620), será discutido, à luz dos artigos 5º, inciso X, 6º, caput, e 144, caput, da CRFB/88, a legitimidade de decisão que sobrepõe a observância aos princípios da proteção à intimidade e da dignidade da pessoa humana aos princípios da segurança e da ordem públicas. O tema não diz respeito diretamente ao Direito do Trabalho, mas poderá impactá-lo, especialmente diante do novo contexto da Lei Geral de Proteção de Dados, inegavelmente aplicável às relações trabalhistas.

Em relação ao Tema nº 1.022 (RE nº 688.267, já pautado para 2021), se examinará, à luz dos artigos 37, caput e inciso II, e 41 da CRFB/88, a possibilidade de despedida sem motivação de empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista admitido por concurso público.

Além disso, o STF enfrentará a questão da manutenção de norma coletiva de trabalho que restringe Direito Trabalhista, desde que não seja absolutamente indisponível, independentemente da explicitação de vantagens compensatórias (ARE nº 1.121.633, Tema nº 1.046).

Como último tema de natureza material, está o RE nº 1.237.867 (Tema nº 1.097), em que se discute, à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada nos termos do artigo 5º, §3º, da CRFB/88, a possibilidade de redução da carga horária de servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência quando inexistente previsão legal de tal benefício. Por certo, a ratio decidendi desse julgamento influenciará o julgamento de questões da mesma natureza nos contratos de emprego. 

Há também, entre outros temas previdenciários que poderão ensejar importantes reflexos no contrato de trabalho, o RE nº 1.171.152 (Tema nº 1.066), em que se discute, à luz dos artigos 2º, 5º, inciso II, 37, caput, e 201, caput, da CRFB/88, bem como dos princípios da eficiência, razoabilidade e dignidade da pessoa humana, a possibilidade de o Poder Judiciário fixar prazo para que o INSS realize perícia médica para concessão de benefícios previdenciários, sob pena de, caso ultrapassado o prazo estabelecido, serem eles automaticamente implantados.

Outrossim, está pautado para 2021 o RE nº 1.211.446 (Tema nº 1.072), em que se discute, à luz dos artigos 7º, inciso XVIII, e 37, caput, da CRFB/88, a possibilidade de servidora pública, mãe não gestante, em união estável homoafetiva, cuja gestação de sua companheira decorreu de procedimento de inseminação artificial heteróloga, gozar de licença-maternidade.

Em matéria processual, o STF definirá se a ação civil pública é meio hábil para afastar a coisa julgada, em particular quando já transcorrido o biênio para o ajuizamento da rescisória (Tema nº 858, RE nº 1.010.819). Na mesma matéria, discutirá, à luz do artigo 5º, inciso LV, da CRFB/88, a inconstitucionalidade, por afronta ao devido processo legal, de acordo celebrado em ação civil pública entre empresa de economia mista e MPT, sem a participação de sindicato representante dos empregados diretamente afetados (Tema nº 1.004, RE nº 629.647).

Por fim, no apagar das luzes de 2020, o STF reconheceu repercussão geral quanto ao tema do ônus da prova acerca de eventual conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas de prestadora de serviços, para fins de responsabilização subsidiária da Administração Pública, em virtude da tese firmada no RE 760.931 (Tema 246) (RE 1.298.647, relator ministro Luiz Fux, Tema 1.118). Referidas controvérsias possivelmente serão decididas no ano de 2021 e terão importantes reflexos processuais.

Raphael Miziara é advogado do escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados, professor da Mackenzie de Campinas (SP), especialista em Direito do Trabalho pela Castilla-La Mancha, mestre em Direito do Trabalho pela UDF e doutorando em Direito do Trabalho pela USP.

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