Para advogados, fiscais, juízes e procuradores, PL da ‘liberdade econômica’ tem inconstitucionalidades

Para entidades, texto afrouxa fiscalização e "promove a supressão de direitos
sociais amparados em normas constitucionais e internacionais do trabalho"
Vista por observadores como uma “mini-reforma” trabalhista, aprofundando as
mudanças contidas na Lei 13.467, de 2017, a Medida Provisória 881, a “MP da
Liberdade Econômica“, é vista com reservas por entidades que representam
advogados, fiscais, magistrados e procuradores do Trabalho. As associações
dessas quatro categorias (Abrat, Sinait, Anamatra e ANPT) elaboraram nota
técnica em que apontam inconstitucionalidades do agora Projeto de Lei de
Conversão (PLV) 17/2019, originário da MP. Segundo essas entidades, o texto –
que cria a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica – vem “aprofundar a
reforma trabalhista flexibilizadora de direitos sociais”.
Logo no início da nota técnica, as entidades criticam o “espírito” do projeto de lei,
que está na Câmara, afirmando que o PLV 17 “submete a interpretação de todas
as disciplinas jurídicas, inclusive aquelas de interesse estritamente humano e
social, como a proteção ao trabalho e ao meio ambiente, às diretrizes dessa
legislação, que tem por objetivo regulatório a proteção exclusiva das liberdades
de exercício da atividade econômica”. E observam: “Submetendo valores e
princípios protetivos da pessoa humana a uma pretensa supremacia dos
interesses econômicos, a norma sofre de irremediável inconstitucionalidade”.
Os agentes da área trabalhista argumentam que tentar submeter todo o
arcabouço jurídico brasileiro às liberdades econômicas viola a necessária
ponderação entre interesses econômicos, sociais e humanitários, que fazem parte
da Constituição. O artigo 1º da Carta prevê como fundamentos da República os
princípios da dignidade humana e dos valores sociais “do trabalho e da livre
iniciativa”.
Em um dos artigos do PLV, por exemplo, se institui uma modalidade de contato
“não sujeito à legislação trabalhista, mas às regras do Direito Civil”, sempre que a
remuneração for superior ao equivalente a 30 salários mínimos – em valores
atuais, R$ 29.940. “Cria-se, com isso, a figura do empregado destituído de
proteção trabalhista, sob presunção absoluta de autossuficiência econômica, o
que contraria o espírito do próprio art. 7º da Constituição”.
Trabalho aos domingos
As entidades destacam outro ponto polêmico do projeto, que autoriza o trabalho
aos domingos e feriados, em todas as áreas, independentemente de autorização
ou norma coletiva. Pelo texto, haveria compensação do repouso em outro dia da
semana, com garantia de descanso aos domingos apenas a cada quatro semanas.
Sobe de 10 para 20 o número mínimo de empregados a partir do qual a empresa
é obrigada a fazer o controle de jornada. O PLV 17 também permite o registro de
ponto mediante acordo individual entre patrão e empregado.
Outro artigo do projeto extingue a obrigatoriedade de Comissões Internas de
Prevenção de Acidentes (Cipas) para “locais de obra”, estabelecimentos com
menos de 20 funcionários e micro e pequenas empresas. “A proposta esvazia a
eficácia de um dos instrumentos mais importantes da política de prevenção de
acidentes no âmbito da empresa, num imenso universo de ambientes laborais”,
criticam as entidades. “Segundo o Sebrae, 99% dos estabelecimentos
empresariais no Brasil correspondem a micro e pequenas empresas, que, por sua
vez, respondem por aproximadamente 50% dos empregos com carteira
assinada.”

As associações de juízes, advogados e procuradores e o sindicato dos fiscais
destacam ainda o alto índice de acidentes do trabalho no Brasil. E afirmam que
acabar com a obrigatoriedade da Cipa “vai na contramão das políticas
mundialmente reconhecidas como efetivas no combate à acidentalidade e aos
impactos econômicos e sociais dela decorrentes”. E ao não especificar o termo
“local de obra”, o texto deixa aberta a possibilidade de abusos, além da utilização
prevista para canteiros de obras de construção civil, “um dos quatro setores
econômicos com maior nível de acidentalidade no país”.
Na conclusão da nota, as entidades manifestam “extrema preocupação” com as
mudanças propostas, principalmente nas áreas de inspeção para promoção de
saúde e segurança. “As normas analisadas, a pretexto de prestigiar a liberdade
econômica, promovem a supressão de direitos sociais amparados em normas
constitucionais e internacionais do trabalho. E, de forma desproporcional, em
evidente vício de inconstitucionalidade e inconvencionalidade, além de promover
radical afrouxamento do sistema fiscalizatório trabalhista, com intenso e
irrazoável sacrifício dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores.”
Fonte: Rede Brasil Atual

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