Queiroga tenta resgatar credibilidade na vacinação criticando estados.

O ministro da Saúde critica a “pressa” dos estados na vacinação, ao imunizar adolescentes, tentando resgatar uma coordenação nacional da campanha que não teve desde o início, forçando governadores a tomar as decisões do Ministério.

Depois do abandono de qualquer coordenação nacional na gestão da pandemia, e sabotagem explícita do governo federal à campanha de vacinação e às iniciativas dos governadores, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, resolve resgatar sua autoridade atacando governadores e prefeitos que correram atrás do prejuízo e fizeram acontecer a imunização da população. Com isso, o governo federal volta a fazer disputa política em cima da vacinação.

O ministro afirmou hoje (16) que a aplicação da vacina contra covid-19 em adolescentes foi feita de maneira “intempestiva” e criticou estados por não seguirem as orientações federais. “Estados e municípios iniciaram essa vacina antes, até no mês de agosto, vacina que era para começar ontem”, disse ele durante entrevista coletiva. “Como conseguimos coordenar a campanha dessa forma?”

No entanto, especialistas consideram que a vacinação segue em ritmo adequado e que adolescentes podem ser vacinados, conforme o cronograma esteja garantindo a imunização das demais faixas etárias. Esta é também a opinião do infectologista Marcos Boulos, em entrevista ao portal Vermelho. Ele vê disputa política entre o governo federal e os governos locais, pois considera que as campanhas estão sendo encaminhadas de forma adequada. “Enquanto estiver sendo garantida a vacinação das demais faixas etárias, os estados podem vacinar os adolescentes”, afirmou.

Para o Dr. Boulos, os adolescentes podem e devem ser vacinados para reduzir a circulação do vírus, evitar o surgimento de novas variantes e acabar a pandemia antes. Ele salienta que as campanhas devem priorizar a vacinação de populações mais vulneráveis a casos graves, como os idosos. Mas, na opinião dele, isso tem sido feito e os governos estão seguindo a orientação do PNI (Plano Nacional de Imunização).

“O que percebo que está ocorrendo é que o governo federal se isentou de tomar as decisões de controle da epidemia desde o início. A vacinação ficou uma ‘zona’, como tudo”, analisou o médico, que é consultor do plano de contingência da pandemia do Governo do estado de São Paulo.

Em sua opinião, o PNI é excelente, no entanto, não foi valorizado nem defendido pelo Governo Federal. “O ministro, que nem é tão novo assim [no cargo], está querendo resgatar, agora, uma credibilidade do governo federal em cima de toda a bagunça que houve antes, e os estados tiveram que seguir sua orientação própria, porque o ministério não tomava sua posição, inicialmente”, analisou.

Ele salienta, inclusive, que estados como São Paulo aproveitaram o vazio de gestão federal para fazer política. Como produtor de vacinas, o governo de São Paulo disponibiliza mais doses em sua vacinação, porque elas não são adquiridas pelo PNI, “até porque quer mostrar que vacina mais”.

Por que só a Pfizer?

Segundo Queiroga, estados estariam aplicando vacinas de outros fabricantes além da Pfizer, que é o único autorizado pela Anvisa para menores de idade. Segundo ele, quase 3,5 milhões de adolescentes já receberam o imunizante. De acordo com um gráfico exibido durante a apresentação, foram aplicadas mais de 26 mil doses de vacinas que não foram autorizadas para adolescentes.

Boulos explica que laboratórios como a Pfizer são extremamente poderosos e ricos, podendo fabricar muito mais rápido que os estatais, com muito dinheiro, para gerar lucros a seus acionistas. “Não tem como competir com eles em termo de velocidade de produção e de pesquisa”, diz ele. Mas o especialista considera que vacinas de primeira geração como a Coronavac, com vírus inativados, já deveriam ter autorização da Anvisa, pois são conhecidas pela segurança e “não haveria inconveniente em aplicá-las nessa população”. “Se formos esperar estudos abrangentes e rápidos como a Pfizer faz, vamos ficar reféns das multinacionais”, disse.

Dr. Boulos quer acreditar que a interrupção da vacinação de adolescentes, exigida pelo Ministério, seja por falta de vacinas, em alguns estados, para pessoas mais idosas. No entanto, segundo o ministro, a vacinação foi interrompida para investigação de eventos adversos, e que não será retomada até que haja evidências científicas “sólidas”. O secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, afirmou que foram registrados cerca de 1.500 episódios leves dentre esses 3,5 milhões de adolescentes vacinados. Queiroga chegou a negar que a suspensão tenha acontecido por falta de doses. O ministro criticou o que chamou de “pressa” dos estados, dizendo que alguns encaram a imunização como uma “corrida” e que “exibem como se fosse um troféu”.

O ministro Queiroga, até então, era favorável à vacinação de adolescentes e havia previsto o início da imunização para todos os jovens assim que os adultos tivessem a primeira dose. A prefeitura de São Paulo e do Rio disseram que vão manter a vacinação de adolescentes sem comorbidades, apesar da recomendação do ministério. Outros países aplicam a vacina contra covid-19 em adolescentes, como os Estados Unidos, Chile, Israel, França e outros.

Outros especialistas criticaram a decisão do Ministério. Para a pneumologista e pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Margareth Dalcomo, a suspensão é “inoportuna” e gera “insegurança, tumulto e medo”. O epidemiologista Pedro Hallal classificou a interrupção como “100% errada”. “Até quando vão tratar a pandemia com uma abordagem clínica, e não coletiva? É verdade que a maioria dos adolescentes não terá caso grave, mas quanto mais gente vacinada, mais difícil pro vírus circular”, escreveu Hallal em sua conta no Twitter.

As principais entidades representativas dos secretários de saúde cobraram da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) uma posição oficial sobre a decisão da pasta. O Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) disseram ter encaminhado um ofício na manhã de hoje ao diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres.

Fonte: Vermelho

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