China investe R$ 27 bilhões em novos produtos e serviços no Brasil
Pedir comida pelo celular, tomar um bubble tea e chamar um motorista por
aplicativo são atividades rotineiras em grandes cidades chinesas. Aos poucos,
essas práticas mediadas por apps da China vão se tornando comuns também no
Brasil, impulsionadas por um fluxo crescente de investimentos que miram
desde o setor de serviços até infraestrutura e energia verde. O movimento, que
vai além da exportação de produtos, visa reconfigurar aspectos centrais do
cotidiano brasileiro — com base em tecnologias, hábitos e ecossistemas
operacionais já consolidados na China.
Por trás dessa transformação estão empresas como Meituan (dona da Keeta),
Didi (controladora da 99), Mixue e gigantes industriais como BYD, CGN,
Envision e Longsys. Juntas, essas companhias anunciaram investimentos
superiores a R$ 27 bilhões no Brasil nos últimos meses. Para especialistas,
trata-se de uma “exportação de ecossistemas” que marca uma nova fase da
relação sino-brasileira: mais profunda, digitalizada e estruturada.
Delivery, carona e chá de leite: a ascensão dos serviços de estilo chinês
A Meituan, líder global em entregas de refeições, lançou oficialmente seu serviço
de delivery Keeta no Brasil com um plano de investir R$ 5,6 bilhões em cinco
anos. A meta é construir uma rede nacional de entregas rápidas e oferecer
soluções digitais aos restaurantes parceiros. A aposta é competir com o iFood e
impulsionar a digitalização de pequenos negócios.
A Didi, que já opera com o app de transporte 99, também relançou seu serviço
de entrega 99 Food, criando uma plataforma integrada de mobilidade e logística
urbana. A empresa anunciou ainda um investimento de R$ 1 bilhão na
instalação de 10 mil pontos de recarga para veículos elétricos, conectando sua
estratégia de mobilidade com a transição energética brasileira.
No ramo de bebidas e fast food, a gigante chinesa Mixue — maior rede de
refrigerantes de chá e sorvetes do mundo — confirmou sua chegada ao Brasil
com um investimento de R$ 3,2 bilhões, devendo gerar 25 mil empregos até
2030. A marca abrirá sua primeira loja no país ainda este ano.
Complementaridade econômica: indústria, energia e tecnologia
A aposta chinesa no Brasil vai muito além do consumo. O país é visto como
mercado estratégico e complementar à indústria chinesa. Com uma economia
ainda em processo de modernização, mas com base industrial relevante, o Brasil
oferece solo fértil para parcerias produtivas e tecnológicas.
Na indústria automotiva, a GWM (Great Wall Motors) investirá R$ 6 bilhões até
2032 na criação de um polo exportador no interior de São Paulo, transformando
a antiga fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis em uma base para atender a
América Latina.
Na transição energética, o Brasil surge como parceiro ideal para empresas como
Envision, CGN e Powerchina. A Envision anunciou a construção do primeiro
Parque Industrial Net-Zero da América Latina com um aporte de R$ 5 bilhões,
enquanto a CGN aportará R$ 3 bilhões em projetos de energia renovável no
Piauí.
Além disso, o setor de semicondutores também entrou no radar chinês. A
Longsys investirá R$ 650 milhões na produção local de chips e soluções de
memória para impulsionar a expansão da Internet das Coisas (IoT) e
dispositivos inteligentes no país.
Por que o Brasil? Tamanho, juventude e conectividade
Com mais de 200 milhões de habitantes, dos quais cerca de 70% estão na faixa
etária ativa (15-64 anos), o Brasil é o maior mercado consumidor da América
Latina. Em 2024, o PIB per capita chegou a US$ 10 mil, e a penetração da
internet atingiu 86,2%, com uso médio diário de smartphones superando cinco
horas.
Esses dados chamam a atenção das empresas chinesas, que dominam o uso de
algoritmos, redes logísticas e ferramentas digitais. Com relações diplomáticas
favoráveis e afinidade com a agenda ambiental e de inovação do Brasil, a China
enxerga o país como base para liderar a transformação digital na América
Latina.
Co-criação e interdependência: um novo paradigma de globalização
Especialistas ressaltam que a internacionalização das empresas chinesas não
significa simplesmente replicar o modelo chinês no exterior. O objetivo é “co-
criar” soluções que combinem expertise tecnológica chinesa com as
especificidades do mercado local.
Para Bai Ming, pesquisador da Academia Chinesa de Comércio Internacional, a
aliança Brasil-China pode impulsionar não apenas os dois países, mas também
promover um novo tipo de globalização, baseada em interdependência
produtiva e desenvolvimento sustentável. Esse novo paradigma se expressa
tanto na modernização da infraestrutura industrial quanto no surgimento de
novos hábitos de consumo, como o crescimento dos chás de leite, a digitalização
de restaurantes e a popularização dos veículos elétricos.
VERMELHO

