Tarifaço completa um mês com queda nas vendas e pacote de apoio
Queda nas vendas aos EUA pressiona setores como frutas, calçados e pescados;
governo aposta em crédito, OMC e novos mercados para conter impacto.
O tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos sobre exportações brasileiras
completou um mês neste sábado (6). Anunciada por Donald Trump em julho e
efetivada em 6 de agosto, a medida provocou queda de quase 20% nas vendas
brasileiras para o mercado norte-americano e abriu uma crise política e comercial
entre os dois países.
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC)
mostram que, em agosto, as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5%
em relação ao mesmo mês de 2024. O efeito foi sentido em setores como:
– Frutas: em Petrolina (PE), produtores de manga e uva perderam a principal
janela de exportação – eram 2,5 mil contêineres de manga e 700 de uva
destinados ao mercado americano.
– Calçados: em Franca (SP), até 100% da produção de algumas fábricas era
direcionada aos EUA. O setor teme cortes em empregos que sustentam entre 12
mil e 14 mil famílias.
– Pescados: 70% da produção brasileira era exportada aos EUA; as vendas
despencaram 31,3%.
– Siderurgia e alumínio: aço, alumínio e cobre agora pagam 50% para entrar
no mercado americano.
O Ceará, estado que dependia dos EUA para mais de 44% de suas exportações
decretou situação de emergência; 90% da pauta exportadora local foi atingida.
Apesar da crise, o governo estima que o tarifaço impacta diretamente 3,3% do
total das exportações brasileiras – já que parte dos produtos ficou isenta, como
aeronaves, fertilizantes, combustíveis e celulose.
Reação diplomática e defesa da soberania
Desde o anúncio, o presidente Lula assumiu tom duro contra Trump, afirmando
que o Brasil não aceitará "desaforos nem ofensas". O governo brasileiro contestou
os argumentos americanos e acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC),
alegando violação de compromissos internacionais.
O Itamaraty, em articulação com a embaixadora Maria Luiza Viotti em
Washington, manteve negociações para ampliar a lista de isenções. Ao mesmo
tempo, Lula determinou que ministros defendam publicamente a soberania
nacional diante da ofensiva americana.
Medidas de apoio interno
Para reduzir os efeitos da crise, o governo lançou o Plano Brasil Soberano, que
prevê:
– R$ 30 bilhões em crédito facilitado para exportadores, com juros mais baixos.
– R$ 10 bilhões adicionais do BNDES para empresas do setor.
– Prorrogação da suspensão de tributos e aumento de restituições a exportadores.
– Compra de alimentos de produtores afetados para estocagem e distribuição em
programas sociais.
– Governos locais também adotaram medidas emergenciais, como no Ceará, que
passou a comprar a produção de alimentos de empresas que
perderam mercado nos EUA.
Busca de novos mercados
Enquanto enfrenta o tarifaço, o Brasil tenta abrir espaço em outros destinos. Em
agosto, o vice-presidente Geraldo Alckmin liderou missões comerciais ao México e
ao Japão, enquanto a China sinalizou abertura para mais produtos brasileiros,
como café, gergelim e carnes processadas.
De acordo com o MDIC, as exportações brasileiras para a China cresceram 31%
em agosto; para países do Mercosul, 27%. O saldo da balança comercial do mês
foi positivo, com superávit de US$ 6,1 bilhões.
Efeitos nos preços internos
Com parte da produção redirecionada ao mercado nacional, houve recuo em
alguns preços:
– Frango: -5,7% (R$ 17,33/kg)
– Café: -4,6% (R$ 76,40/kg)
– Carne suína: -1,3% (R$ 23,05/kg)
– Carne bovina: -0,8% (R$ 34,58/kg)
A exceção foram os pescados, que subiram 2% no período, puxados pela maior
demanda interna.
Perspectivas
Especialistas apontam que, embora a abertura de novos mercados seja
estratégica, ela exige tempo de negociação. No curto prazo, o Brasil tende a
redirecionar excedentes ao mercado interno, pressionando preços para baixo.
Para o economista Matheus Dias (Ibre/FGV), o tarifaço não teve efeito relevante
sobre a inflação até aqui. O principal fator é a lista de quase 700 itens isentos da
tarifa de 50%, que evitou uma realocação maciça de produtos para o mercado
doméstico.Sem essa lista de exceções, explica Dias em entrevista à Agência
Brasil, haveria "uma realocação mais forte dos fluxos comerciais", ampliando a
oferta interna e, por consequência, forçando quedas de preços em cadeia – o que
poderia ter impacto mensurável no IPCA. Com as isenções, esse efeito foi
amortecido.
Ele pondera que os impactos são setoriais: segmentos como cimento, madeira e
metais sentiram o baque, mas não há sinal de repasse amplo ao consumidor. Em
síntese, o choque tarifário aperta cadeias específicas, porém não contamina a
inflação geral.
Fonte: Congresso em Foco