Três anos de pandemia: 2023 será marcado pela declaração de endemia no Brasil

Ao chegar a 700 mil mortes pela covid-19 no Brasil, epidemiologista
acredita que o governo está perto de encerrar o ciclo vacinal com a nova

vacina bivalente.

15.02.23 – Prefeitura de Manaus inicia aplicação de vacina bivalente contra a
Covid-19 em grupos prioritários.

Em 11 de março de 2020, a OMS declarava o status de pandemia de
covid-19 no mundo. No Brasil o primeiro caso já havia sido notificado em
26 de fevereiro de 2020. Com isso, o Brasil chega aos três anos da
pandemia completando as impressionantes 700 mil mortes pela doença
respiratória.
O Painel de Informação de Casos e Óbitos Covid-19 registra 699.634
mortes na última semana epidemiológica notificada, considerando que há
defasagens previstas de notificação nacional. Ou seja, centenas de
mortes que já aconteceram nas semanas anteriores (ou mesmo meses)
ainda não foram “contabilizadas” oficialmente pelo Ministério da Saúde

ou Secretarias estaduais de saúde, por exemplo. Com isso, é possível
que as 700 mil vítimas da doença já tenham sido atingidas.

No entanto, este marco sinistro também é um momento de muita
esperança, segundo o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-
Amazônia. Em entrevista ao Portal Vermelho, ele avaliou que o ano de
2023 deverá ser marcado por dois grandes eventos: a suspensão do
status de emergência sanitária internacional, pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), e ao mesmo tempo o Ministério da Saúde (MS) deve
declarar a situação de endemia no Brasil. Ou seja, é o fim do status de
pandemia, tanto global, quanto da epidemia no país.
Pandemia, epidemia, endemia
Orellana diz que falar em endemia em 2022 foi precipitado, mas esse
horizonte começa a ficar bem claro, agora em 2023. Portanto, o que
muda para os brasileiros? Por que o cenário de circulação do vírus está
mudando?
O epidemiologista fez um quadro comparativo para nos mostrar essa
diferença. Ele mostra uma queda de quase 500% nas primeiras 8
semanas epidemiológicas de 2023, comparadas com o mesmo período
de 2022. Enquanto nos dois meses iniciais de 2023 morreram pouco
mais de 5 mil pessoas pela doença, esse volume foi de quase 30 mil nos
dois primeiros meses do ano anterior.

Cortesia de Jesem Orellana (FioCruz-AM)
Com isso, a comparação entre as 8 semanas epidemiológicas de 2022 e
2023, “deixa claro que houve uma redução radical e que o vírus começa
a perder muita força para causar casos graves e mortes por covid-19”.
“Isso não significa que vamos acabar com o vírus, mas que ele vai
continuar circulando com uma versão de longo prazo muito mais
elaborada e melhorada do Sars-Cov2, e com essa roupagem da ômicron
e das subvariantes dela em comparação com a versão original do vírus”.
Orellana explica que o vírus se torna menos agressivo, por fatores
imunológicos das pessoas que ja tiveram a infecção e principalmente a
vacina. “Ele fica restrito a uma situação relacionada a uma síndrome
gripal de leve a moderada, do que a uma síndrome gripal com potencial
que tinha de gerar colapsos nos hospitais, causar até quatro mil mortes
por dia”, compara.
Neste momento, com o que nós temos de conhecimento acumulado
sobre as subvariantes da ômicron, de acordo com ele, esse cenário está
mais ou menos consolidado.
Ele explica que o fato de entrar no status de endemia, não significa que
não possa haver surtos, nova explosão de casos, internações e até de
mortes. “Dengue e malária, por exemplo, são doenças endêmicas que
não assumem padrões epidêmicos, há anos; mas, em 2022, a dengue

assumiu um padrão epidêmico com o maior número de mortes dos
últimos 14 anos no Brasil por ano. Tivemos 1200 mortes em 2022 por
dengue no Brasil, com 1,5 milhão de casos notificados”, informa.
É preciso ter claro que, não há um critério formal para o fim da pandemia
e a entrada na endemia. “Não há uma fórmula para aplicar a diferentes
doenças, especialmente em relação a uma doença emergente como a
covid. Não há um padrão de pandemia, epidemia e endemia para a uma
doença recente, que não repete padrões como do vírus influenza. Não dá
para encontrar padrões universais, porque vai depender de cada
cenário”.
Fim do esquema vacinal
O especialista aposta em duas declarações importantes para o mundo
este ano, “que não são pouca coisa”. A suspensão do status de
pandemia, ou emergência sanitária internacional, ocorre após três anos.
A última pandemia de influenza durou menos de dois anos.
No Brasil, provavelmente, haverá a declaração do Ministério da Saúde de
um estado de endemia e não mais de epidemia. “Esse aumento modesto
de internações e algumas mortes, que tivemos em diferentes regiões do
país, acabou sendo resultado do efeito residual do vírus, muito em
função dessas pessoas que não tomaram nenhuma dose da vacina, e
das pessoas que estão com o esquema incompleto”, observa ele.
Um elemento determinante, na opinião dele, para essa guinada no
cenário epidemiológico é a aplicação da dose de reforço contra a covid-
19 com a vacina bivalente da Pfizer. Esta é uma fase crítica da
vacinação, segundo ele, pois a vacina bivalente protege contra as
versões originais do novo coronavírus e essas subvariantes que
circularam com mais força.
“Provavelmente, o Ministério da Saúde vai orientar a maior parte da
população do Brasil a encerrar o esquema vacinal. Até o momento,
ninguém está com o esquema vacinal encerrado”, afirma. “Esta será
provavelmente a última etapa da campanha nacional de vacinação em
contexto de epidemia no Brasil. A vacinação com a dose de reforço da
vacina bivalente”.
Ninguém mais vai ser vacinado porque o vírus vai sumir? O vírus
continua circulando, mas a vacina passa a ser incorporada ao calendário
nacional de vacinações, mais ou menos nos moldes da vacinação anual
contra a gripe comum, a influenza, para grupos específicos como idosos,
gestantes, puérperas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas ou pessoas
imunocomprometidas. “Mas não vai haver mais campanhas nacionais de
vacinação incluindo basicamente toda a população”.

Bivalente: a bala de prata
Orellana ressalta que, mesmo sem a vacina bivalente, mais preparada
para o cenário epidemiológico dominado pelas subvariantes da ômicron,
já havia relativo sucesso em controlar a epidemia, como mostra o gráfico
das primeiras semanas epidemiológicas. A queda de contágios e mortes
de 2021 para 2022 já havia sido significativo.
“Com a vacina bivalente, a expectativa é que, no pior dos casos, continue
igual ao que estamos vendo no início de 2023: um padrão de circulação
viral razoavelmente elevado, mas sem potencial para fazer a epidemia
progredir para dentro dos hospitais e se traduzir em mortes aos
milhares”, descreve.
Esse é o ponto, diz ele. A nova vacinação é considerada crítica porque o
governo consegue acumular uma experiência de monitorar a doença, de
tratar as pessoas, de acompanhar esses pacientes, fazer isolamento
respiratório. “E o Ministério da Saúde tem agora uma oportunidade de
ouro de usar essa nova tecnologia que é a vacina bivalente para
basicamente selar o caixão da epidemia de covid-19 no Brasil”.
É o que parece que vai acontecer. Há uma grande mobilização do
Programa Nacional de Imunizações, uma campanha lançada pelo
presidente Lula com o vice-presidente Alckmin, a ministra Nísia Trindade,
muito empenhados em melhorar esses números, oq ue torna o cenário
bem favorável.
Surtos sazonais
A possibilidade de surtos de covid, como ocorre com as gripes, é
preocupante e legítima, porque pode haver uma nova mutação nas
subvariantes mais agressivas, não só em relação a contágios novos, mas
ao potencial de causar doença grave, internação e óbito.
Embora esta seja uma preocupação que não deva ser descartada,
Orellana diz que os sanitaristas estão otimistas, porque a condução que
vai ser dada à epidemia, ou endemia de covid-19, nos próximos meses e
anos, ao longo deste mandato do MS, certamente vai ser melhor do que
se acompanhou e se viu, desde que houve a notificação do primeiro caso
em março de 2020.
Ele diz que o MS certamente vai investir no fortalecimento das
estratégias de vigilância das síndromes gripais, na vigilância laboratorial,
em ações de proteção e promoção da saúde, justamente para preparar a
população e as equipes de vigilância epidemiológica para atuar no
controle de eventuais surtos que possam acontecer nos próximos meses
ou anos.

A situação do surto de dengue, demonstra a importância do MS ficar
atento com o aperfeiçoamento de estratégias de vigilância
epidemiológica.
A epidemia global
Por que a OMS ainda não declarou o fim da emergência global, se tantos
países já vivem um cenário de queda drástica de contágios da covid? Há
uma grande incerteza em relação aos desenvolvimentos da epidemia em
diferentes regiões do mundo. A covid deixou de ser algo aterrador que
gera preocupação em escala global, mas continua sendo considerada
uma pandemia, pela dificuldade de fazer chegar a vacina de forma
igualitária nas diferentes regiões do planeta.
“Há situação análoga na Europa e Américas, mas não na África e Ásia. O
que aconteceu na China é algo que pode acontecer em outros lugares,
com retomada forte dos contágios, pela cobertura baixa da vacinação na
China, mesmo sendo um dos maiores exportadores principalmente para
países em desenvolvimento”, alerta o epidemiologista.
A dificuldade de fazer estas vacinas chegarem ao calendário de muitos
países, serem inoculadas no braço da maioria da população é o que gera
essa incerteza. “Desta forma, suspender o padrão de pandemia significa
dificultar uma série de medidas de apoio de países ricos a pobres,
doação de vacinas, medicamentos, máscaras”, justifica.
Pelo critério epidemiológica já daria para suspender o critério de
pandemia no mundo, e até epidemia no Brasil. Mas será que estamos
prontos para isso? Essa é a grande questão, na opinião dele.
Por isso, Orellana mencionou uma série de indicadores que apontam
para um cenário menos preocupante e incerto no Brasil. “Embora não
haja critérios absolutos, os indicadores epidemiológicos, neste momento,
estão longe daquilo que vimos em 2022 e mais longe ainda do que vimos
em 2021. Temos a Anvisa aprovando e recomendando seis
medicamentos, entre eles antivirais, antiinflamatórios, inibidores de
determinadas enzimas para auxiliar no tratamento de pacientes com
covid-19. Temos um leque de vacinas disponíveis muito grande, o que
pode ser a bala de prata no Brasil e no mundo, que é a vacina bivalente.
E temos a Anvisa reconhecendo que não é mais obrigatório o uso de
máscaras em aeroportos e aeronaves. Há uma série de sinais que
mostram que o Brasil está se afastando de um cenário mais preocupante
e incerto.

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