Argentina realiza sua grande marcha da Memória, Verdade e Justiça contra governo Milei
No 49º aniversário do golpe de 1976, organizações de direitos humanos
denunciam políticas de Milei como “herdeiras da ditadura” em resistência
ao desmonte social e à revisão da história.
por Cezar Xavier
As Mães e Avós da Praça de Maio entram na cerimônia que protesta contra o
golpe militar de 1976.
Quarenta e nove anos após o golpe militar na Argentina, o movimento
pelos direitos humanos marcha unido até a Plaza de Mayo em um ato
histórico. Pela primeira vez em duas décadas, todas as organizações
convergem em uma única manifestação, denunciando o negacionismo e
as restrições às liberdades democráticas promovidas pelo governo de
Javier Milei.
O tema da ditadura militar é muito sensível para as famílias argentinas,
uma grande parcela delas atingida por perseguições. Com isso, o esforço
de negacionismo e revisionismo histórico do governo Milei tem cutucado
uma ferida ainda não cicatrizada na sociedade argentina. Um vídeo
negacionista fui publicado pela Casa Rosada para lembrar e comemorar
o aniversário do início da ditadura mais sangrenta que a Argentina já
sofreu.
Depois disso, Milei tem dado sinalizações contraditórias para tentar
neutralizar os protestos, ao desclassificar documentos militares sob a
alegação de contribuir para a memória, a verdade e a justiça, embora
sem garantias de transparência. A ministra da Segurança, Patricia
Bullrich, indicou que o governo não implementará um protocolo
antiprotesto, optando por uma presença policial discreta. Contudo,
alertaram para possíveis “infiltrados violentos” e reforçaram a vigilância
noturna. No entanto, os gestos de recuo e cautela têm sido vistos como
risíveis diante do cotidiano de desmonte institucional e perseguição a
organizações e pessoas que lutam em defesa dos direitos humanos.
Unidade inédita
Milhares de argentinos já ocupam as ruas de Buenos Aires e outras
cidades para lembrar as vítimas da última ditadura civil-militar (1976-
1983) e protestar contra o governo de Javier Milei. Sob o lema “Memória,
Verdade e Justiça”, a marcha unificou organizações históricas como as
Mães e Avós da Plaza de Mayo, HIJOS (sigla para: filhos e filhas pela
identidade e a justiça contra o esquecimento e o silêncio) e o CELS
(Centro de Estudos Legais e Sociais), além de partidos políticos e
sindicatos.
O ato principal ocorre na Plaza de Mayo, palco simbólico das
manifestações durante a ditadura, onde um documento será lido por
Estela de Carlotto e Adolfo Pérez Esquivel. Pela primeira vez em 19
anos, as organizações concordaram em um texto conjunto.
Veja como foi: Marcha massiva toma a Plaza de Mayo com discurso
contundente contra Milei
A marcha de 24 de março é tradicionalmente a maior mobilização de rua
do ano no país, e a expectativa é de um comparecimento recorde. O
evento de encerramento, às 16h30, contará com a presença de figuras
históricas como Estela de Carlotto, Taty Almeida, Elía Espen e o Prêmio
Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, que lerão os lemas da jornada.
Mobilização massiva e resposta histórica
Carlos Lordkipanidse, sobrevivente da ESMA (centro de detenção,
tortura e extermínio), destacou o impacto da unidade do movimento: “O
anúncio de que marcharemos juntos teve um impacto enorme; atendeu a
uma expectativa de longa data de muitos setores da população que
discordavam das marchas separadas. Acreditamos que a resposta será
histórica”, declarou ao jornal Página/12.
A comparação entre o governo atual e a ditadura de Jorge Videla domina
os discursos. O senador Oscar Parrilli (União pela Pátria) afirmou: “Há
um governo que, em muitos aspectos, se assemelha ao de Videla”,
ecoando críticas da ex-presidente Cristina Kirchner sobre a
“decomposição institucional”. Victoria Montenegro, neta recuperada de
sequestro por militares e deputada, destacou: “O modelo econômico de
Milei é primo-irmão do da ditadura, trazendo infelicidade ao povo”.
A unidade em defesa da democracia
A unificação das organizações de direitos humanos e do Encontro
Memória, Verdade e Justiça representa um marco político. A divisão que
surgiu durante o governo de Néstor Kirchner foi superada diante da
gravidade das medidas do governo Milei, que incluem desmonte das
políticas de direitos humanos, cortes de recursos públicos e repressão a
manifestações populares.
Resposta ao negacionismo oficial
O governo Milei intensificou a retórica revisionista. Lançou um vídeo
institucional com uma visão negacionista do terrorismo de Estado,
protagonizado pelo escritor de extrema direita Agustín Laje. A produção
repete a narrativa de uma suposta “guerra” nos anos 1970, ignorando as
323 sentenças judiciais que comprovam um plano sistemático de
extermínio. Desde 2003, 1.200 repressores já foram condenados por
crimes contra a humanidade.
O advogado Pablo Llonto criticou duramente o vídeo: “É uma compilação
de mentiras editada com imagens da propaganda da ditadura”. A Casa
Rosada também anunciou a desclassificação de documentos da antiga
Secretaria de Inteligência do Estado (SIDE), um movimento considerado
contraditório já que o governo havia anteriormente negado acesso a
esses arquivos.
Carlos Pisoni (HIJOS) alertou: “Ainda buscamos 300 netos roubados.
Enquanto Milei nega o passado, nós insistimos: sem memória, não há
futuro”, diz ele, que atua em relação a um dos temas mais escandalosos
envolvendo os militares: o sequestro de crianças, filhos de desaparecidos
políticos, que foram criados pelos assassinos de seus pais.
Existe ainda a proposta de fechamento do Museu da ESMA. O deputado
Gabriel Chumpitaz (PRO) propôs transformar o local em um “centro de
treinamento para emergências”, chamado de “ato de apagamento
histórico”. Funcionários relatam demissões, cortes orçamentários e
perseguição. O Centro cultural Conti, referência em direitos humanos,
permanece inativo desde o início do novo governo.
Enquanto isso, a conta da Frente Renovador no X publicou um vídeo no
qual acusam o presidente Javier Milei e sua vice-presidente, Victoria
Villarruel, de negar o “plano sistemático levado a cabo pela última
ditadura civil-militar”.
A crítica ao ajuste e à repressão
Além da batalha pela memória, a marcha denunciou as políticas
econômicas:
Corte de gastos sociais: Redução de verbas para educação
integral e Bolsa Família.
Previdência sob pressão: Gastos previdenciários atingem R$
1,09 trilhão, enquanto o Ministério da Economia promete cortes.
Ameaça de greve geral: A CGT anunciou mobilizações em abril,
sinalizando conflito com o plano de austeridade.
Horacio Pietragalla Corti, ex-secretário de Direitos Humanos,
resumiu: “Resistimos a um governo que ataca conquistas históricas. As
Mães nos ensinaram a bater nas portas até a justiça chegar”.
Entre o passado que não passa e o futuro em disputa
O 24 de março de 2025 marcou um divisor de águas: diante de um
governo que minimiza os crimes da ditadura e avança com políticas de
exclusão, a sociedade argentina reafirmou nas ruas que “Nunca Mais”
não é só um slogan, mas um compromisso. A pergunta que fica, segundo
o jornalista Eduardo Aliverti, é: “Até quando o negacionismo de Milei
conseguirá sobreviver ao peso da história que insiste em não ser
apagada?”.
A marcha de hoje reafirma o compromisso da sociedade argentina com a
Memória, Verdade e Justiça. Apesar das ameaças e da retórica
governamental, a resposta massiva nas ruas simboliza a resistência ao
autoritarismo e a defesa intransigente dos direitos democráticos.
Em todo o país, manifestações simultâneas reforçam a luta por justiça e
contra o terrorismo de Estado, em um ambiente cada vez mais hostil às
liberdades civis.
O que vem pela frente:
Greve geral em 10 de abril: CGT promete paralisação contra o
ajuste.
Primeiro de Maio: promete se tornar outro grande palco de
protestos
Eleições legislativas: O desafio da oposição será canalizar o
descontentamento das ruas em votos.
Julgamentos de crimes da ditadura: 11 casos aguardam debate
na Justiça, teste para a independência do Judiciário sob Milei.
Fonte: Vermelho