Tarifaço desidratado é vitória de Lula e deixa sequelas para Bolsonaro

Sob a coordenação do vice-presidente Geraldo Alckmin, o governo
trabalhou em várias frentes para ganhar tempo e reduzir os danos.

Foi exitoso nos dois pontos

por  André Cintra

Publicado 30/07/2025 21:06 | Editado 31/07/2025 07:55

Foto: Ricardo Stuckert / PR
Há três semanas, o presidente norte-americano, Donald Trump,
prometeu um tarifaço amplo, geral e irrestrito para as exportações
brasileiras aos Estados Unidos. A ameaça era de uma taxa de 50% a
partir de 1º de agosto – e o mero anúncio já levou empresas a
paralisarem atividades, decretarem férias coletivas e até demitirem
trabalhadores.
Nesta quarta-feira (30), a promessa foi convertida em decreto
presidencial. Mas Trump adiou o início da vigência do tarifaço para 6

de agosto e ainda desidratou consideravelmente a lista de setores
atingidos, com 694 exceções. Nas contas da Amcham Brasil (Câmara
Americana de Comércio para o Brasil), 43,4% dos produtos
exportados pelo Brasil ficaram de fora. A lista de isenções inclui polpa
e suco de laranja, castanhas-do-pará, aeronaves civis e seus itens,
papel e celulose, petróleo, carvão, gás natural e seus derivados.
Na prática, a sobretaxa de 50% valerá apenas para setores do
agronegócio, como café, frutas, carnes e pescados. Especialistas
apontam que, no caso específico do café, Trump será forçado a rever
a tarifa a curto prazo. Como os Estados Unidos não têm como
substituir o volume de exportação cafeeira do Brasil, a inflação do
produto no mercado norte-americano virá de modo célere e
devastador.
Mesmo com o recuo, a medida representa uma agressão injustificada.
À luz das regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), não há
fundamento econômico que sustente o ataque de Trump. O tarifaço,
a rigor, nem sequer pode ser chamado de protecionista, uma vez que
praticamente não há concorrência norte-americana aos setores
afetados no Brasil. É um jogo de perde-perde, no qual a fatura há de
chegar para o titular da Casa Branca.
Do ponto de vista político, a vitória do governo brasileiro é
incontestável. Tendo como base os tarifaços impostos anteriormente
por Trump a outros países, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia
que era impossível evitar 100% das retaliações ao Brasil. Sob a
coordenação do vice-presidente Geraldo Alckmin, o governo
trabalhou em várias frentes para ganhar tempo e reduzir os danos.
Foi exitoso nos dois pontos.
Lula sai fortalecido do “primeiro round” dessa batalha. A interlocução
com o setor produtivo foi exemplar e ajudou a diminuir as
tradicionais arestas com alguns setores, especialmente o
agronegócio. De acordo com Rogério Ceron, secretário do Tesouro
Nacional, o governo já tem pronto um plano para atenuar os efeitos
do tarifaço.
O governo também acertou ao demarcar o cenário como uma disputa
entre os defensores da soberania nacional e os traidores da pátria. A

altivez de Lula, reiterada de discurso em discurso – e até num
pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV –, garantiu avanços
em sua popularidade, além de estimular um sentimento de união
nacional.
“Diante da ameaça do tarifaço dos EUA, o Brasil não se curvou. Com
firmeza e diálogo, o governo brasileiro defendeu nossos interesses e
fez Washington recuar, mostrando que nossa economia tem peso e
nossa diplomacia tem voz”, resumiu a presidenta do PCdoB, Luciana
Santos. “Estamos abertos ao diálogo, mas ingerência no Brasil é
inaceitável – seja econômica, institucional ou digital. Seguimos
reconstruindo o país com soberania, respeito e voz ativa no mundo.”
É importante frisar que Lula conquistou esse feito num momento em
que a Casa Branca bloqueava todos os canais diretos de interlocução
com o governo brasileiro. Quem acabou por assumir a linha de frente
das tratativas em nome de Trump foi o secretário de Comércio dos
Estados Unidos, Howard Lutnick, com quem Alckmin se reuniu por
duas vezes.
Para piorar, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) admitiu
que usava sua influência contra o Brasil. Ao comentar a presença da
comitiva suprapartidária do Senado que foi aos Estados Unidos para
negociar os termos do tarifaço, o parlamentar declarou ao SBT News:
“Eu trabalho para que eles não encontrem diálogo”.
Eduardo escancarou o que setores empresariais davam como favas
contadas: para enfrentar a crise, não era possível contar com o apoio
do ex-presidente Jair Bolsonaro e de boa parte de seus aliados. A
despeito do risco de fechamento de empresas e postos de trabalho
no Brasil, a família Bolsonaro – com Eduardo à frente – ficou
abertamente ao lado de Trump e dos Estados Unidos. O episódio
desagradou até a segmentos hostis ao governo Lula.
“Por atuar deliberada e sistematicamente para prejudicar o Brasil, em
nome dos interesses particulares de sua família, Eduardo Bolsonaro
precisa ter cassado seu mandato de deputado federal. Trata-se da
única reação cabível por parte de uma democracia digna do nome”,
cobrou, em editorial, o Estadão.

Curiosamente, a primeira e mais célebre vítima do pandemônio
instalado por Trump foi Jair Bolsonaro – a quem, de início, se atribuía
a condição de maior beneficiário do tarifaço. O consórcio promíscuo
entre sua família e o governo norte-americano levou o ministro
Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a lhe impor
o uso de tornozeleira eletrônica, a proibição de acesso a embaixadas
e consulados, entre outras medidas cautelares.
As sequelas para o ex-presidente não param por aí. Pesquisas de
opinião feitas após o anúncio inicial do tarifaço indicam que a rejeição
a seu nome – já elevada – cresceu ainda mais. Na mesma medida,
elevou-se a pressão para que Bolsonaro, inelegível até 2030, pare de
se apresentar como candidato à sucessão de Lula e passe a apoiar
uma alternativa no campo da direita.
A luta contra o tarifaço continua, e os próximos rounds exigirão novas
estratégias do governo Lula. As manifestações populares marcadas
para esta sexta-feira (1/8) não perdem relevância. Ao contrário: dada
a imprevisibilidade da gestão Trump, é fundamental reforçar o
chamamento pela soberania nacional. A guerra de Trump e da
extrema direita não acabou, mas o Brasil já mostrou que é capaz de
vencê-la!

Fonte: Vermelho

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