A volta por baixo de Jair Bolsonaro

É consenso que Bolsonaro regressa ao Brasil mais fraco do que saiu, há
90 dias, para um autoexílio de luxo nos Estados Unidos.

Na Grécia Antiga, quando um cidadão representava perigo à sociedade
ou ameaça à ordem, a Justiça inscrevia seu nome numa tábua chamada
“ostraka”, condenando-o à pena de ostracismo. O banimento não
eliminava por completo o risco de um golpe de Estado, mas ao menos
dificultava tais intentos.
No Brasil, quase 2.500 anos depois, o ostracismo é uma pena simbólica.
Volta e meia, autoridades e celebridades vão do auge ao ostracismo,
sendo condenados ao esquecimento. Podem até não sair do País, mas
saem de cena – da grande cena –, para a qual dificilmente hão de voltar.
Nas últimas décadas, nenhum brasileiro representou mais risco concreto
ao Estado Democrático de Direito do que o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL). Nem mesmo sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas
eleições presidenciais de 2022 foi o suficiente para acabar com a
desconfiança geral.
Ao mesmo tempo em que falava em “agir dentro das quatro linhas” da
Constituição, Bolsonaro se comportou  permanentemente como se
estivesse acima da lei – e, em certa medida, esteve. Afora uma ou outra
determinação do Judiciário – vindas sobretudo do ministro Alexandre de
Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) –, o ex-capitão violou a
Carta Magna diuturnamente no período em que permaneceu na
Presidência da República.
Porém, uma vez vencido por Lula nas urnas, Bolsonaro talvez tenha sido
o primeiro a perceber que pouco ou nada havia a fazer. Bolsonaristas
foram às portas de quartéis do Exército para pedir um golpe e até
ocuparam centenas de rodovias Brasil afora. Em 8 de janeiro, com o
novo governo já instalado em Brasília, apoiadores do ex-presidente
invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes. Houve centenas de
prisões.
Enquanto tudo isso ocorria, Bolsonaro se mantinha num mutismo
constrangedor. O silêncio foi interrompido algumas vezes, mas as
poucas falas foram tão genéricas quanto irrelevantes. Já não era mais o
líder que, apenas semanas antes, mobilizava hordas monumentais para
o golpismo e que, mesmo perdendo, recebeu mais de 58 milhões de
votos.
A esta altura, é consenso que Bolsonaro regressa ao Brasil mais fraco do
que saiu, há 90 dias, para um autoexílio de luxo nos Estados Unidos. É
uma volta por baixo, ainda sem rumo. Na noite desta quarta-feira (29),
pouco antes de entrar no avião que o trouxe para o País, o ex-presidente
declarou não vai “liderar nenhuma oposição”. Ao desembarcar em
Brasília, já na manhã desta quinta (30), teve de usar uma saída
alternativa. Seu raio de atuação encurtou-se.

É preciso saber se Bolsonaro não quer liderar a oposição ou se a
oposição não quer ser liderada por Bolsonaro. São três meses de exílio,
mas cinco de inatividade, desde o anúncio do êxito de Lula em 30 de
outubro passado. Em plena disputa presidencial de 2022, boa parte do
Centrão já havia abandonado sua candidatura à reeleição e aderido à
campanha de Lula. Com a posse do petista, outro bloco até então
bolsonarista se descolou para prosseguir na base do governo. Até aí,
nada de novo.
Pesquisa do Instituto Paraná encomendada pelo PL revelou, conforme
palavras de um aliado, que o “piso de Bolsonaro é pétreo e inabalável”. O
escândalo da apropriação ilegal de joias sauditas teria subtraído apenas
dois pontos percentuais do apoio ao ex-presidente. Mas a política se
baseia mais em tendências do que em números frios – e tudo indica que,
a despeito do bom “piso”, Bolsonaro ostenta um “teto” cada vez menor.
A conjuntura no Brasil é incerta, e Bolsonaro poderia ter um papel de
maior destaque se, antes de tudo, valorizasse a política.  Para agravar
sua situação, é quase certo que Bolsonaro ficará inelegível – e é
inevitável que continue alvo de denúncias, investigações e ondas de
desgaste.
Temístocles, talvez o mais célebre dos condenados ao ostracismo na
Grécia Antiga, fugiu antes do julgamento e lutou pela redenção, mas
morreu no exílio. Já Címon provou sua lealdade a Atenas e foi
posteriormente perdoado. Nada disso ocorrerá a Bolsonaro.  Embora
possa escapar da prisão a despeito do sem-número de crimes que
cometeu, o ex-capitão está mais próximo de um ostracismo longevo do
que do perdão.

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