Que está por trás do debate sobre o financiamento sindical?

Na última quinta-feira (31), o plenário virtual do STF (Supremo Tribunal
Federal) formou, até o momento, maioria de 6 a 0, com voto do ministro
Alexandre de Moraes para constitucionalizar a chamada “contribuição

assistencial” aos sindicatos.

Marcos Verlaine*
Assim, com objetivo de subsidiar este debate, reduzido e amesquinhado, pela
imprensa grande, mercado e capital, a apenas ao custeio dos sindicatos, sem
considerar o papel dessas entidades sindicais no desenvolvimento das relações de
trabalho, com conquistas relevantes para os trabalhadores, e manutenção de
direitos, sem os quais, hoje, a vida desses trabalhadores seria, infinitamente,
mais difícil e precária.
Essa contribuição consiste em desconto feito em folha de pagamento, pelas
empresas, com porcentual definido em assembleia. O objetivo dessa contribuição
é custear as atividades coletivas dos sindicatos, como as campanhas de dissídio
salarial coletivo.
O dissídio coletivo de trabalho representa o processo jurídico para resolver
conflitos coletivos no ambiente laboral, envolvendo interesses comuns de grupos
de trabalhadores e empregadores (patrões), mediados por entidades sindicais,
em particular, os sindicatos.
Esse debate voltou a ganhar os holofotes, com a vitória do presidente Lula (PT),
que reabriu a discussão em torno do financiamento sindical, desmantelado pela
Reforma Trabalhista, no contexto da Lei 13.467/17, que entre outras medidas
drásticas, extinguiu o chamado imposto sindical obrigatório, que 1 vez por ano
cobrava de todos os trabalhadores formais 1 dia de trabalho, com desconto
compulsório em folha.
Contribuição desobrigada
Essa contribuição não foi extinta. Foi tornada voluntária e para que seja
descontada no contracheque, o trabalhador deve ir pessoalmente ao sindicato e
autorizar, formalmente, por meio de documento assinado, o repasse ao sindicato.
Mas qual trabalhador vai fazer isso, com a demonização da contribuição sindical,
e pior, do sindicato? Essa demonização está na mídia e é feita cotidianamente
pelos patrões, pelo chamado mercado e o capital, que são inimigos dos direitos
dos trabalhadores, cujos defensores desses direitos, são os sindicatos.
Essa demonização, levada aos estertores, serviu de caldo de cultura para
fomentar a chamada Reforma Trabalhista, aprovada pelo Congresso, e
sancionada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2017, que entre outras
questões alterou profundamente as relações de trabalho no Brasil¹.
Entenda o retorno da contribuição assistencial
Sobre a chamada “contribuição assistencial”, o STF fixou, em 2017, a seguinte
tese: “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença
normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados
da categoria não sindicalizados” (STF, Pleno, RG-ARE 1.018.459/PR, relator
ministro Gilmar Mendes, j. 23.02.2017, DJe 10.03.2017).
Todavia, 6 anos depois, no mesmo processo, apreciando recurso de embargos de
declaração (com a finalidade específica de esclarecer contradição), após voto-

vista do ministro Luís Roberto Barroso, e dos votos de outros ministros, o relator,
Gilmar Mendes acolheu o recurso, com efeitos infringentes (capacidade de
reformar ou modificar decisão judicial), para admitir a cobrança da contribuição
assistencial, inclusive dos trabalhadores não filiados, assegurando ao trabalhador
o direito de oposição, fixando a seguinte tese (Tema 935 da Repercussão Geral):
“É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de
contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria,
ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição” (STF,
Pleno, sessão virtual, de 14/4/23 a 24/4/23).
Em resumo, a fundamentação do ministro Luís Roberto Barroso, para dar efeito
modificativo à decisão foi:
• que as contribuições assistenciais não se confundem com a contribuição sindical
— também conhecida como “imposto sindical” —, cuja cobrança deixou de ser
obrigatória, a partir da Reforma Trabalhista, de 2017;
• que a cobrança das contribuições assistenciais está prevista na CLT desde 1946,
ao contrário da contribuição ou “imposto” sindical;
• que a arrecadação das contribuições assistenciais só pode ocorrer para financiar
atuações específicas dos sindicatos em negociações coletivas;
• que, como a jurisprudência do STF, construída ao longo dos últimos anos,
passou a conferir maior poder de negociação aos sindicatos, identificou-se
contradição entre prestigiar a negociação coletiva e, ao mesmo tempo, esvaziar a
possibilidade de sua realização, ao impedir que os sindicatos recebam por atuação
efetiva em favor da categoria profissional; e
• que, por esse motivo, no seu novo voto permite-se a cobrança das
contribuições assistenciais previstas em acordo ou convenção coletiva de
trabalho, assegurado ao trabalhador o direito de se opor ao desconto, tratando-se
de solução intermediária, que prestigia a liberdade sindical e, ao mesmo tempo,
garante aos sindicatos alguma forma de financiamento.
Desobrigação sem regra de transição
O objetivo do fim do desconto obrigatório do imposto ou contribuição sindical não
foi para proteger o trabalhador “espoliado” pelo sindicato. Teve o objetivo, isto
sim, de desmontar, destruir o sindicato, para que essa barreira de contenção
contra o apetite patronal contra os direitos dos trabalhadores deixasse,
efetivamente, de existir.
Sem sindicatos fortes, organizados, com recursos materiais e financeiros, seria
mais fácil destruir direitos e conquistas. Essa foi a razão central do fim
compulsório da contribuição sindical.
E como o objetivo não era privilegiar a negociação coletiva, sequer, na lei foi
escrita alguma regra de transição, para que os sindicatos pudessem se preparar
para as turbulências naturais que adviriam com o fim da obrigatoriedade de
repasses desses recursos.
CLT sempre privilegiou a negociação sobre a lei
Em nota técnica, ainda no calor do debate no Congresso, da contrarreforma
trabalhista, o MPT (Ministério Público do Trabalho) esclareceu que o objetivo de
explicitar em lei, o chamado “negociado pelo legislado” não foi para beneficiar ou
privilegiar os acordos ou convenções coletivas. Ao contrário.

Até porque, segundo a nota técnica, isto sempre existiu. As convenções coletivas
sempre procuravam avançar em relação à CLT. Não era necessário tentar garantir
o que já estava consignado na legislação trabalhista. E os acordos coletivos, esses
procuravam avançar em relação às convenções. Isto é, esse comando implícito
não era para retirar direitos. Ao explícitá-lo, o objetivo era suprimir direitos.
Assim, o objetivo implícito de apor em lei o “negociado sobre o legislado” era
destruir direitos e conquistas. Isto, agora, está explícito.
Sindicato é mais que impostos ou contribuições
Com a decisão majoritária do Supremo, a imprensa grande, o mercado e o capital
abriram as baterias, novamente, contra o movimento sindical. Embora todas
estas instituições saibam, muito bem, a diferença entre a “contribuição sindical”,
obrigatória, obrigatoriedade essa extinta pela Lei 13.467 e a “contribuição
assistencial”, fruto do processo negocial entre patrões e suas entidades
representativas, e os trabalhadores e suas entidades representativas, cujo
desconto e percentual, com limites, se dá por meio de assembleia convocada para
tal fim.
Mídia grande — jornais, portais, TV, rádios, blogs e canais digitais de direita —
que defende os interesses patronais, mercado (empresas), voraz que quer
suplantar direitos para obtenção de lucros maiores, e capital, cujo propósito
central é o lucro e sua manutenção acima de tudo, reduzem esse debate, viciado,
à apenas a questão do financiamento dos sindicatos.
Assim, parecer ser mais fácil enganar os trabalhadores, que são estimulados, por
todos os meios, a demonizar os sindicatos e qualquer tipo de luta coletiva para
conquistar direitos e mantê-los.
Papel dos sindicatos
Invenção inteligente e relativamente simples, surgida no século 19, o sindicato, é
o “advogado” do trabalhador, que defende os direitos e conquistas dos segmentos
profissionais representados pelo sindicato.
Sem os sindicatos, talvez, até o ar que se respira seria pago, porque no
capitalismo, tudo é transformado em mercadoria.
As organizações sindicais de modo geral, e os sindicatos, em particular,
exercem 4 macrofunções, quais sejam: 1) organizar, representar e defender os
direitos e interesses dos trabalhadores da categoria profissional, inclusive como
substituto processual; 2) negociar ou promover a contratação coletiva, podendo,
para tanto, realizar movimentos paredistas (greve) na hipótese de recusa
patronal; 3) formar para a cidadania, o que consiste em promover cursos,
seminários, simpósios, congressos e mobilizações para desenvolver o senso crítico
dos trabalhadores; e 4) lutar por justiça social, o que pressupõe participar e
influenciar as decisões e processos políticos para que haja equidade na
distribuição da riqueza, com garantia de dignidade ao trabalhador durante sua
vida laboral e na aposentadoria².
Entenda as fontes do financiamento sindical
Se os trabalhadores e trabalhadoras não sustentarem seus sindicatos, quem vai
sustentá-los? É como dizem os britânicos: “não tem almoço de graça”.
Os patrões — como classe social — têm clareza disso, por isso fazem de tudo
para enfraquecer os sindicatos e outras organizações que representam os
trabalhadores, os direitos e as conquistas desses, como classe social. O objetivo é

dispersar, desorganizar — como classe social —, a fim de impedir avanços
econômicos e sociais.
As fontes de custeio sindical são 4: contribuição sindical, contribuição assistencial,
contribuição confederativa e contribuição associativa.
A sindical, que era obrigatória, e 1 vez por ano era descontado 1 dia de trabalho
de todos na categoria profissional, teve a obrigatoriedade extinta pela chamada
“Reforma Trabalhista”.
A assistencial, busca custear as atividades assistenciais do sindicato,
principalmente as negociações coletivas em que todos os trabalhadores são
beneficiados sejam filiados, ou não. Este foi o entendimento que o Supremo
formou maioria para validar a cobrança da contribuição.
A confederativa é aplicável apenas aos empregados filiados ao sindicato e o valor
varia, sendo definido anualmente em assembleia, conforme determina a
Constituição Federal. Destina-se à manutenção dos serviços prestados pela
entidade aos trabalhadores.
A associativa é a mensalidade cobrada pelos sindicatos apenas de trabalhadores
sindicalizados, que obtêm série de benefícios, como convênios e descontos em
serviços.

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
¹ Síntese dessas mudanças introduzidas pela contrarreforma trabalhista:
• acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação. Com isso, o que for acertado entre
empregado e empregador não é vetado pela lei, respeitados os direitos essenciais, como férias e 13º
salário;
• pagamento da contribuição sindical, equivalente a 1 dia de trabalho, deixou de ser obrigatório;
• jornada de trabalho, antes limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais, pode ser agora pactuada
em 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso, respeitadas as 220 horas mensais;
• férias, de 30 dias corridos por ano, agora podem ser parceladas em até 3 vezes;
• possibilidade do trabalho intermitente, com direito a férias, FGTS, contribuição previdenciária e 13º
salários proporcionais. O salário não pode ser inferior ao mínimo, nem aos vencimentos de
profissionais na mesma função na empresa. Todavia, os contratos intermitentes remuneram apenas as
horas trabalhadas e nada mais; e
• grávidas e lactantes só poderão trabalhar em locais com insalubridade de grau médio ou mínimo.
Mesmo assim, se for por vontade própria e desde que apresentem laudo médico com a autorização.
² Para que serve e o que faz o movimento sindical, 3ª edição atualizada e ampliada (DIAP).
Fonte: Diap

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