“Israel sofre derrota e Hamas se fortalece como interlocutor geopolítico”
Portal Vermelho entrevista analistas sobre as perdas e ganhos do acordo
de cessar-fogo. Os palestinos continuam sendo sacrificados, mas Israel
sai gravemente ferido em sua alma sionista.
Três reféns israelenses são entregues pelo Hamas a Cruz Vermelha
Internacional no acordo de cessar fogo entre Israel e Hamas. População
israelense assiste por telões em praças as celebraçòes do Hamas e dos
palestinos
O acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, mediado pelos
governos do Catar, do Egito e dos Estados Unidos, não apenas
interrompe temporariamente as hostilidades, mas também marca um
momento de profundo impacto geopolítico e humanitário no Oriente
Médio. Diversas análises apontam que o conflito expõe fragilidades de
Israel, fortalece a resistência palestina e sublinha a necessidade de
soluções duradouras. As avaliações convergem em torno do
reconhecimento da importância do acordo e da urgência de avanços
concretos para uma paz sustentável na região.
O Portal Vermelho consultou analistas do assunto que foram unânimes
em apontar uma profunda derrota moral e estratégica para Israel. José
Reinaldo Carvalho, presidente do Centro Brasileiro de Solidariedade aos
Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Emir Mourad, secretário-geral da
Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe (Coplac), e Amyra
El Khalili, a economista socioambiental e editora do Movimento Mulheres
pela Paz na Palestina, apontaram seus argumentos para esta conclusão.
O governo brasileiro, por meio de Lula e de sua diplomacia, também se
manifestou celebrando o acordo (confira ao final).
Objetivos não cumpridos
José Reinaldo Carvalho, Cebrapaz
José Reinaldo Carvalho, que também é membro da Comissão Política do
PCdoB, afirmou que o desfecho do conflito representa uma derrota para
Israel e um avanço significativo para a resistência palestina. Segundo
Carvalho, a ofensiva israelense tinha como objetivo a aniquilação do
Hamas, mas terminou com Israel desmoralizado e forçado a negociar
diretamente com o movimento.
“Israel sai desmoralizado e isolado no mundo. Internamente, o regime
israelense está em crise, enquanto o Hamas demonstrou maturidade
política e capacidade de articulação”, declarou Carvalho. Ele também
ressaltou que o Hamas emerge como um interlocutor geopolítico
incontornável, tendo governos como os do Catar e do Egito em diálogo
direto com sua liderança.
Para Carvalho, o cessar-fogo simboliza não apenas uma pausa na
violência, mas também uma “derrota significativa” para os agressores.
Ele destacou ainda que a resistência palestina deve agora concentrar-se
em aliviar a crise humanitária em Gaza, garantir o cumprimento do
acordo e fortalecer sua luta histórica por independência.
Acordo e papel do Hamas no cenário internacional
O presidente do Cebrapaz ressaltou que o acordo de cessar-fogo
evidencia a influência do Hamas no cenário geopolítico, tornando-se um
interlocutor incontornável. “Governos árabes, como os do Egito e Catar,
foram negociadores e fiadores do acordo, dialogando intensamente com
a direção do Hamas. Já o imperialismo estadunidense e os genocidas
israelenses, que tinham como propósito aniquilar o movimento, foram
obrigados a reconhecer sua autoridade”, avaliou.
O Hamas, por sua vez, celebrou a trégua como uma vitória da “lendária
firmeza do povo palestino”. Carvalho destacou que essa resistência não
é apenas retórica, mas uma demonstração de abnegação e persistência
diante de adversidades extremas. “A trégua simboliza uma derrota
significativa para os agressores, que se viram obrigados a reconhecer a
força da resistência e a sentar-se à mesa de negociação”, afirmou.
Prioridades para a resistência palestina
Segundo Carvalho, o próximo passo da resistência é enfrentar a crise
humanitária em Gaza, lutar por um cessar-fogo abrangente e
permanente e reacumular forças para liderar a luta histórica pela
libertação total e independência da Palestina. “O acordo é imperioso e
indispensável. Ele representa uma pausa necessária nas agressões
contra a população de Gaza, alivia a crise humanitária e abre caminho
para soluções mais duradouras”, explicou.
Carvalho também enfatizou a importância de garantir o cumprimento do
acordo, exercendo pressão internacional contra possíveis violações. “Os
mediadores prometeram emitir uma resolução no Conselho de
Segurança da ONU para apoiar o cessar-fogo, mas os inimigos figadais
da paz e da libertação continuam vociferando ameaças de novas
agressões”, alertou.
Concluindo, José Reinaldo Carvalho destacou que o cessar-fogo é
apenas o início de um longo caminho rumo à paz duradoura e à justiça
para o povo palestino. “A vitória da resistência é também a derrota dos
agressores. Este acordo é um marco histórico e prova que, mesmo
diante das adversidades mais extremas, é possível obter conquistas
concretas. A luta pela liberdade da Palestina segue mais legítima e
urgente do que nunca.”
Apenas uma batalha
Emir Mouad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-americana e do Caribe (Coplac)
Emir Mourad apresentou uma visão mais cautelosa. Para Mourad, o
cessar-fogo é um passo necessário, mas insuficiente para mudar a
dinâmica de opressão contra os palestinos. O histórico do conflito e a
continuidade de práticas como a limpeza étnica contra os palestinos
lançam dúvidas sobre a efetividade e a durabilidade do acordo.
“O cessar-fogo momentâneo pode servir para a troca de reféns, mas a
limpeza étnica segue em curso. Desde 1948, essa política vem sendo
construída e nada nos garante que haverá mudanças significativas no
médio e longo prazo”, afirmou Mourad. Ele também destacou as
pressões internacionais sobre Israel, especialmente dos Estados Unidos,
como fatores determinantes para o acordo.
Mourad alertou sobre as violações ao cessar-fogo e a escalada de
tensões em regiões como o Líbano, apontando que os impactos militares
e políticos do conflito ainda estão em curso. Ele também observou que o
primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu enfrenta pressões
internas significativas, refletindo a instabilidade política em Israel.
O secretário-geral da Coplac enfatizou que o acordo, além de permitir
aliviar a crise humanitária, revelam fracassos de Netanyahu. “Israel não
alcançou seus objetivos políticos, como a expulsão dos palestinos do
norte de Gaza e a destruição completa da resistência. Esses fracassos
são evidentes quando analisamos os resultados concretos”, avaliou.
O impacto humanitário e as limitações do acordo
Apesar das limitações, Mourad reconheceu que o cessar-fogo trouxe um
“respiro” para a população palestina. “Esse momento é importante para
reconstruir a infraestrutura de saúde e oferecer um alívio mínimo ao povo
de Gaza. Mas devemos lembrar que o acordo é dividido em três fases, e
apenas a primeira foi formalizada até agora, com monitoramento
permanente ao longo de 42 dias. O que ocorrerá depois disso é incerto”,
pontuou.
A escalada de tensões no Líbano e as violações ao cessar-fogo na
região são outros pontos de preocupação. Mourad lembrou que a
resistência libanesa também sofreu ataques, mas que Israel não
conseguiu alcançar seus objetivos militares no país. “A derrubada da
Síria e as ações no Líbano mostram como o redesenho do Oriente Médio
segue em curso, com impactos militares e políticos profundos”, analisou.
Contexto político em Israel e nos EUA
Mourad destacou que o primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu, enfrenta pressões internas significativas, inclusive risco de
colapso do governo. “Netanyahu teve que costurar alianças políticas para
garantir a aprovação do acordo. Há descontentamento entre setores da
extrema direita israelense que abominam qualquer concessão à
resistência palestina”, explicou.
Nos Estados Unidos, tanto o presidente Joe Biden quanto Donald Trump,
que reassume a presidência em breve, têm interesses estratégicos na
região. Segundo Mourad, Biden tenta deixar um “legado positivo” ao
mediar o cessar-fogo, enquanto Trump busca consolidar alianças no
Oriente Médio e retomar os Acordos de Abraão.
Mourad concluiu com uma análise realista sobre os próximos passos:
“Este é apenas um pequeno passo em uma batalha que está longe de
terminar. A resistência palestina precisará se adaptar às novas
realidades e continuar lutando por seus direitos. A comunidade
internacional, por sua vez, deve se manter vigilante para garantir que
acordos como este não sejam usados como pretextos para perpetuar a
opressão.”
Derrota da “vitrine de extermínio”
Amyra El Khalili, rede Movimento Mulheres pela P@Z!
Amyra El Khalili, compartilhou uma análise contundente sobre a situação,
voltando anos antes para demonstrar a dimensão dos interesses em jogo
e das perdas e ganhos. A análise parte de um contexto em que Israel,
segundo El Khalili, enfrenta derrotas significativas em diversos campos,
da opinião pública internacional à economia interna, enquanto a
resistência palestina conquista avanços simbólicos e políticos.
Para Amyra, o contexto atual é marcado por um misto de emoções: “Os
palestinos estão emocionados. Eu falo com jornalistas, com as mulheres
palestinas, as mães dos militantes e dos prisioneiros. Todos
compartilham uma dor coletiva e uma resistência que transcende as
fronteiras de Gaza”.
Ela explica que a presença de policiais nas ruas de Gaza após o cessar-
fogo não é apenas uma questão organizacional, mas também uma
mensagem estratégica: “Esses homens são policiais do governo de
Gaza, que é liderado pelo Hamas, um partido eleito. Essa mobilização é
uma reafirmação de que o governo ainda está operante, contrariando a
narrativa israelense de colapso”.
A história do conflito: genocídio e resistência
Amyra destaca que os objetivos israelenses estão enraizados em um
plano de longa data: o “Plano de Decisão”, anunciado em 2017 pelo
ministro Bezalel Smotrich. Segundo ela, o plano oferecia três opções à
população palestina: viver como cidadãos de segunda classe, emigrar ou
enfrentar a morte. “Os palestinos de Gaza decidiram que, se é para
morrer, será lutando. A operação ‘Tempestade de Al Aqsa’,
desencadeada em 7 de outubro de 2023, foi um contra-ataque preventivo
ao genocídio planejado para novembro”, defende ela.
Ela aponta que a resistência conseguiu desarmar sistemas de segurança
israelenses, invadir territórios ocupados e levar reféns para negociar a
liberdade de prisioneiros palestinos. “Esses prisioneiros são uma questão
sensível para o povo palestino, pois quase todos têm algum parente ou
conhecido que sofreu tortura ou morreu nas prisões israelenses”.
Amyra acredita que os objetivos da resistência foram alcançados até
certo ponto: “A Palestina voltou à agenda mundial. Gaza era
bombardeada semanalmente sem receber atenção da imprensa. Agora,
o mundo está discutindo o genocídio e os crimes de guerra contra os
palestinos”. Ela também ressalta que o objetivo de trocar prisioneiros
está em curso, apesar dos desafios impostos por Israel.
Segundo Amyra, Gaza foi transformada em um campo de concentração
e uma vitrine para o mercado armamentista israelense. “Israel
bombardeava Gaza e exibia vídeos para vender suas tecnologias de
extermínio ao mundo”, denuncia.
O acordo mediado: uma vitória estratégica
Amyra enfatiza que o reconhecimento de um Estado palestino sempre
encontrou barreiras no Knesset, o parlamento israelense, que rejeita a
solução de dois estados. “A resistência palestina continua a lutar não
apenas pela sobrevivência, mas pela dignidade e pela liberdade de seu
povo”.
De acordo com El Khalili, o recente acordo mediado é uma reedição do
que fora proposto anteriormente pelo Qatar, mas rejeitado pelo primeiro-
ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em dezembro do ano passado.
Essa rejeição inicial submeteu reféns israelenses a meses de cativeiro
em Gaza, com consequências graves, incluindo a morte de alguns
durante ataques dos próprios israelenses.
“Não interessa ao Hamas matar reféns. Devolver essas pessoas sãs e
salvas é uma das maiores estratégias geopolíticas que eles podem
empregar”, argumenta a professora. Para ela, o ato de liberar reféns em
boas condições é uma demonstração política e moral que reforça a
imagem do Hamas perante a opinião pública global e, especialmente,
entre os israelenses. Ela também sublinha o impacto da propaganda
sionista, que, segundo ela, intoxica muitos israelenses ao perpetuar a
ideia de que os palestinos são terroristas.
El Khalili destaca como Israel tem sofrido derrotas em várias frentes. No
âmbito interno, muitos israelenses, especialmente aqueles com dupla
cidadania, estão deixando o país devido à insegurança crescente. “Israel
perde na economia, na comunicação e na segurança de sua própria
população”, afirma.
O martírio e a luta pela liberdade
Para os palestinos, a resistência é uma questão de sobrevivência e
dignidade. Amyra ressalta que a ideia de martírio é frequentemente mal
interpretada no Ocidente: “Dizer que os islâmicos gostam de morrer ou
cultuam o martírio é uma visão distorcida. Para eles, trata-se de lutar
com orgulho contra a humilhação e a opressão”.
Ela lembra que Gaza tem sido palco de massacres recorrentes desde
que foi isolada por muros. Apesar disso, o povo palestino segue
resistindo, preferindo enfrentar a violência a aceitar a subjugação.
Amyra também aborda os interesses geopolíticos que alimentam o
conflito. Segundo ela, Israel busca controlar recursos energéticos
estratégicos, como petróleo e gás, e usar Gaza como uma rota para
exportação desses recursos. “O objetivo é claro: atacar o Irã e consolidar
o domínio sobre as riquezas naturais da região”, afirma.
A professora também destaca o papel do Irã como um agente
diplomático cauteloso. Apesar de apoiar a resistência, o país evita
confrontos diretos devido à presença de armas nucleares em Israel. Essa
diplomacia cuidadosa reflete a complexidade do cenário e a importância
de evitar uma escalada que poderia ter conseqüências devastadoras.
Para ela, o acordo recente representa uma vitória simbólica e estratégica
para a resistência palestina. “É uma demonstração de que a resistência
não se intimida diante do poderio militar israelense e de que a luta por
liberdade é inegociável”, conclui. A troca de reféns e a resposta popular
palestina mostram que, mesmo diante de desafios extremos, a
resistência permanece viva e resiliente.
Posição do governo brasileiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Ministério das Relações
Exteriores (Itamaraty) também se posicionaram sobre o cessar-fogo,
reforçando o compromisso do Brasil com soluções pacíficas no Oriente
Médio. Lula celebrou a trégua como um sinal de esperança, destacando
a necessidade de construção de uma solução duradoura para o conflito.
“Que a interrupção dos conflitos e a libertação dos reféns ajudem a
construir uma solução duradoura que traga paz e estabilidade a todo
Oriente Médio”, escreveu o presidente em suas redes sociais.
O Itamaraty, em nota oficial, saudou o cessar-fogo e sublinhou a
importância de respeitar os termos do acordo, garantindo ajuda
humanitária e a reconstrução da infraestrutura de Gaza. O comunicado
reiterou o compromisso brasileiro com a solução de dois Estados, com
um Estado palestino independente e viável, convivendo em paz com
Israel.
Embora o cessar-fogo seja amplamente saudado, ele é visto apenas
como um passo inicial em um longo caminho. A resistência palestina
precisará lidar com as adversidades humanitárias e manter sua luta por
direitos, enquanto a comunidade internacional deve garantir que o acordo
não seja usado como pretexto para perpetuar a opressão. Como
enfatizou o Itamaraty, o compromisso com o diálogo e a solução de dois
Estados permanece essencial para uma paz duradoura.
Fonte: Vermelho