Crimes em Brasília vão muito além de depredação do bem público

Advogado Oliver Oliveira explica porque os atos cometidos no dia 8 de
janeiro podem ser tipificados como crime de golpe de estado.

Congresso, STF e Palácio do Planalto foram invadidos neste domingo, 8, em
atos contra a democracia
As pessoas tendem a enxergar nos atos de 8 de janeiro apenas o dano
ao bem público, a lesão corporal, o furto, o roubo, o desacato etc. Estes
delitos poderiam ser suficientes para causar indignação e até sentenciar
penalidades legais. No entanto, existe um componente golpista que é

mais abstrato para a maioria das pessoas, e que agrava a condição
daquelas pessoas detidas.

O Portal Vermelho consultou o presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Subseção da OAB Planaltina/DF, Oliver Oliveira para
entender melhor este agravante criminal. Ele é membro da ADJC –
Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e
Cidadania, e defende que, inclusive, advogados envolvidos de alguma
forma nos atos daquele domingo deveriam ser punidos pela Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB).
Segundo ele, crimes vistos “a olho nu” por todo o mundo, consumados
como furto, lesão corporal, dano ao bem público, prevaricação por parte
de alguns agentes públicos, etc, já seriam suficientes para condenações
judiciais. Mas há, também, a tipificação dos crimes previstos como golpe
de estado.
Em interrogatórios, os presos têm apresentado justificativas para seus
atos baseadas em incitações feitas pelo próprio Jair Bolsonaro em
eventos oficiais da Presidência da República. A naturalização dos
pedidos de intervenção militar no Supremo Tribunal Federal (STF), por
exemplo, durante estes anos de governo, agora serão analisadas do
ponto de vista criminal.
Oliver cita o art. 359-M do Código Penal, que prevê o crime de Golpe de
Estado, assim descrito como: “Tentar depor, por meio de violência ou
grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Pena – reclusão, de
4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência”.
“O ocorrido no domingo (8) vai muito além de atos de vandalismo e
depredação. A causa principal, o fato que motivou toda essa cena de
horror que chocou o mundo foi uma tentativa de insurgência contra uma
eleição democrática, de rompimento da Democracia e do Estado
Democrático de Direito, através do golpe e da violência”, disse o
advogado.

Para o advogado, o fato dos pedidos de uso de violência pelas Forças
Armadas estarem nas ruas, desde 2013, sem escandalizar a sociedade,
está relacionado com a criminalização da política.
Ele percebe um processo de “demonização e ódio à política”
concretizado no impeachment de Dilma e na prisão de Lula. A partir
desse discurso de intervenção das Forças Armadas, a extrema direita
expressou sua face fascista latente.
“Apenas a sua pregação do crime de golpe de estado já caracterizaria a
consumação do crime. Nesse sentido, todos que participaram de algum
ato que pedia intervenção militar poderiam ser enquadrados nos crimes
previstos no código penal”, esclarece Oliver.
Estado de Direito
Outro crime previsto no Código Penal é à tentativa de abolição violenta
do Estado de Direito. Prevê o art. 359-L, que: “Tentar, com emprego de
violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito,
impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais; Pena
– reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à
violência”.

Oliver lembra que, amplamente noticiado, os ataques foram exatamente
aos três prédios que representam os três poderes, pilares do Estado
Democrático de Direito: o Planalto, representando o poder Executivo; o
Congresso Nacional, representando o poder Legislativo; e o Supremo
Tribunal Federal, representando o poder Judiciário. “Ao atacar esses três
pilares, aqueles atos eram uma tentativa de, com violência, abolir o
Estado Democrático de Direito”, explicou.
Liberdade de expressar ódio
Outra alegação frequente dos extremistas bolsonaristas que avançaram
contra os três poderes, é dee que estariam exercendo sua liberdade de
manifestação política em defesa da liberdade de expressão. Outro
argumento frequentemente utilizado pelo presidente da República e seus
ministros e base parlamentar.
Até que ponto seria apenas liberdade de expressão não aceitar o
resultado eleitoral. Seria liberdade de expressão se não partisse para as
vias de fato e houvesse algum indício concreto de fraude eleitoral. No
entanto, o próprio Bolsonaro e os que gravitam no seu entorno acabaram
admitindo não terem nenhuma prova concreta de suas alegações contra

a Justiça Eleitoral. No entanto, continuaram afirmando a suposta fraude,
utilizada como justificativa para apropriação de área pública para
acampamentos e protestos violentos e distúrbios urbanos. Sem
mencionar as pessoas que publicaram ataques e ameaças a ministros do
TSE e do STF.
Há um limite que se deve respeitar. Um direito não pode significar a invasão de
outro direito. Para os bens jurídicos tutelados, quando entram em
conflito, é usada uma regra de ponderação e de proporção para saber
qual deles deve ser protegido. Sem falar que os crimes que os golpistas
estão sendo enquadrados estão tipificados no código penal”, enfatizou
Oliver.
Advogados fascistas
As chances de advogados conhecidos por envolvimento nos eventos
golpistas serem punidos, vai depender da OAB instalar os procedimentos
de investigação. “Espera-se que a OAB não dê guarida a advogados/as
que se insurgiram contra o Estado Democrático de Direito”, defendeu.
De acordo com Oliver, é dever, segundo art. 2º do Código de Ética da
OAB: “V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e
das leis”. O artigo 34 veda advogar contra literal disposição de lei (VI –
advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando
fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em
pronunciamento judicial anterior). O/a advogado/a que incentiva, participa
ou divulga atos antidemocráticos mantém atividade incompatível com a
advocacia (XXV – manter conduta incompatível com a advocacia).

Nem sob ordens superiores, os policiais que se omitiram diante das
manifestações violentas deixaram de ser punidos. Na opinião do
advogado, um servidor público que diante de um crime não cumpre com
seu dever institucional e legal está cometendo o crime de prevaricação.
“Os agentes de segurança pública são servidores. Sem falar naqueles
que de alguma forma tiveram participação direta”, observa ele.
Protestos de esquerda

Oliver, por outro lado, não acredita que protestos de esquerda como
ocupações de prédios públicos por movimentos, por exemplo, possam
ser criminalizados com tipificação similar àqueles em Brasília.
“Os crimes de tentativa de restringir o exercício dos poderes
constitucionais e o de depor o governo constituído democraticamente via
soberania do voto popular, se materializaram com a invasão das casas
dos três poderes. Nesse sentido, uma invasão ou ocupação de um órgão
público, pode ter algum tipo de punição, porém, não se deve enquadrar
como atos de golpe de Estado”, afirmou.
Ele também ressaltou que não acredita que o STF tenha se excedido nas
circunstâncias. Frequentemente se individualizam as decisões sobre as
prisões dos envolvidos no ministro Alexandre de Moraes, como se ele
fosse um inquisidor.
Mas Oliver diz que isto é uma percepção superficial do sistema judiciário.
“Sei que um Juiz não pode agir de ofício. Ele precisa ser provocado para
tomar alguma decisão. Praticamente todas as decisões que o ministro
tomou foram provocadas pela PGR [Procuradoria Geral da União], ou por
algum partido ou parlamentar. Parece-me que apenas a decisão de
afastamento do governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, é que foi
uma decisão de ofício”, concluiu.

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