Engenheiros da Eletrobras denunciam o apagão de Bolsonaro: “Racionamento já começou”
“Governo prefere agir de forma pouco transparente e estratégica”, diz entidade.
Em nota técnica divulgada nesta quarta-feira (30), a Aesel (Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras) criticou as medidas do governo Jair Bolsonaro para enfrentar a crise energética no Brasil. “Tendo em vista a gravidade da crise, os sintomas são de que o governo escolheu lidar com ela de maneira gradual, escalando o rigor das medidas, de acordo com o desenvolver dos acontecimentos”, afirmou a entidade, em nota.
Segundo a Aesel, o apagão de Bolsonaro será agravado porque o Planalto não tem “um plano detalhado para a sociedade, com cronogramas definidos, cenários possíveis e medidas de enfrentamento”. Em vez disso, afirma a associação, “o governo prefere agir de forma pouco transparente e estratégica, anunciando as medidas espaçadas, testando seus impactos e fazendo avaliações táticas”.
A nota afirma que a criação da Medida Provisória 1.055/21 e da Câmara de Regras Excepcionais para a Gestão Hidroenergética (CREG) evidencia que “haverá impactos negativos” para os brasileiros. Exemplo disso foi o reajuste, já aplicado, de 52% no valor da bandeira vermelha nível 2. Para a Aesel, “o racionamento já começou”.
Confira abaixo a íntegra da nota.
Brasil revive crise energética e risco de apagão.
No último dia 28 de junho, o Ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, anunciou em cadeia nacional de televisão que o governo adotaria medidas para evitar um racionamento de energia, que nosso sistema elétrico é robusto e que se a sociedade colaborar, será possível atravessar sem maiores sobressaltos a grave crise hídrica pela qual passa o país.
É evidente que a situação não está sob controle. Não é usual que um Ministro desta pasta venha em cadeia nacional comunicar aos brasileiros que tudo transcorre normalmente.
No mesmo dia foi editada a Medida Provisória 1.055/21, criando a Câmara de Regras Excepcionais para a Gestão Hidroenergética (CREG). Se foi necessária a criação de um órgão para adotar regras excepcionais, fica claro que há uma crise e que haverá impactos negativos para a sociedade.
Como agravante, no dia seguinte ao anúncio da MP 1.055, a ANEEL determinou um reajuste de 52% no valor da bandeira vermelha nível 2. A verdade é uma só: independentemente de não ter sido anunciado claramente pelo Ministro Bento Albuquerque, ou estar expresso na MP, o racionamento já começou.
Tendo em vista a gravidade da crise, os sintomas são de que o governo escolheu lidar com ela de maneira gradual, escalando o rigor das medidas, de acordo com o desenvolver dos acontecimentos. Ou seja, ao invés de anunciar um plano detalhado para a sociedade, com cronogramas definidos, cenários possíveis e medidas de enfrentamento, o governo prefere agir de forma pouco transparente e estratégica, anunciando as medidas espaçadas, testando seus impactos e fazendo avaliações táticas.
Analisemos agora as duas medidas do racionamento efetivamente adotadas nas últimas 24 horas:
Seriam essas medidas suficientes?
A resposta a essa pergunta depende de algumas variáveis:
1) Hidrologia: Estamos ainda no início do período seco nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (que concentram 70% da capacidade de armazenamento do país) e é muito pouco provável que haja chuvas suficientes para recuperar os reservatórios até o início previsto do período úmido, em novembro. Além disso, caso não haja chuvas bem acima da média histórica entre o fim de 2021 e o começo de 2022, há uma tendência forte de que a crise energética do próximo ano seja bem mais grave;
2) Crescimento econômico: No Brasil o crescimento econômico está sempre associado ao crescimento do consumo de energia elétrica, geralmente em um fator de 1 para 1,5. Ou seja, se a economia (PIB) crescer 5% esse ano, como preveem alguns economistas, podemos ter um crescimento do consumo da ordem de 7,5%. É importante ressaltar que no ano passado como um todo, apesar da economia ter desabado 4,1%, o consumo de energia recuou apenas 1%. Esse crescimento do consumo gerado pelo aquecimento da economia, impulsionado pela diminuição das restrições da pandemia, pode de fato gerar situações de risco de blackout por sobrecarga, principalmente nos horários de pico;
Figura 1: Variação de carga no segundo semestre de 2020
3) Condições operacionais das usinas: na NT-ONS DGL 0059/2021 o Operador Nacional do Sistema prevê que, mesmo tomando todas as medidas excepcionais por ele propostas sobre o uso das águas dos reservatórios e com o acionamento de todo o parque de geração termelétrica (20 GW), o país poderia chegar ao final de novembro de 2021 com uma sobra de potência de apenas 3,3 GW. Isso representaria uma folga de menos de 4% para o sistema, o que é muito pouco, levando-se em conta a necessidade de reserva girante e o risco real de uma eventual falha localizada levar a um blackout generalizado. Esse cenário, pouco confortável, considera que nossas usinas térmicas operem com o fator de capacidade conforme declarado. Entretanto, há evidências de que a real situação operacional dessas usinas não condiz com o informado pelos agentes de geração, além do mais, essas plantas não foram projetadas para operarem na base do sistema, por tanto tempo, de forma ininterrupta. Há um risco real de que ao longo do segundo semestre, várias máquinas fiquem indisponíveis.
Figura 2: Previsão de sobra de potência com a adoção das flexibilizações recomendadas pelo ONS
Ao deparar-se com uma crise hídrica e energética de grande monta, como a atual, é inevitável que a sociedade busque comparações com o racionamento de 2001, popularmente conhecido como “apagão”.
Há muitas semelhanças, mas também muitas diferenças, com aquele período. Vamos a algumas delas.
Semelhanças:
Diferenças:
Como vimos anteriormente, não é correto atribuir a crise hídrica e energética atual às forças da natureza, por mais que as mudanças climáticas devam ser levadas em consideração.
Dentre as principais causas da crise atual, para além da hidrologia, podemos destacar duas:
Dessa forma, os reservatórios das regiões Sudeste / Centro Oeste começaram o período seco, em junho, com 30% de sua capacidade, nível insuficiente para garantir segurança energética para o segundo semestre.
Figura 3: Despacho energético até fevereiro de 2021
A julgar pelas medidas anunciadas pelo MME, as perspectivas não são boas. A MP 1.055/21 que criou a CREG, diferentemente do que foi feito com o Comitê de Gestão de Crise de 2001, concentra em um órgão restrito, comandado pelo sabidamente incompetente Ministro Bento Albuquerque. Se na época de FHC, estavam presentes até mesmo a Secretaria de Comunicação Social do governo e o BNDES, na CREG, criada por Bolsonaro, não estão nem mesmo órgãos indispensáveis como o ONS, a ANEEL e a ANA. Nesses casos há sempre alto risco de controle de informação e falta de transparência.
Outro ponto relevante a ser destacado, é que MP 1055/21 abre uma porta para a corrupção ao prever a contratação de energia de reserva por meio de “procedimento competitivo simplificado”, a ser regulamentado pelo MME. Acrescente-se que a Eletrobras já possui larga experiência no gerenciamento de crises semelhantes (em especial na Amazônia) e a legislação em vigor já possui todos os instrumentos necessários para contratações emergenciais desse tipo.
Além de incorporar formalmente à CREG os órgãos do setor elétrico como ANEEL, ANA, ONS, EPE e a própria Eletrobras (que administra 52% da capacidade de armazenamento dos reservatórios brasileiros), o governo Bolsonaro deveria, imediatamente, não só sustar todo o processo de privatização da Eletrobras, como também vetar toda a absurda MP 1.031/21.
Por fim, tendo em vista a severidade da crise hídrica e energética e as poucas perspectivas de ser superada, o governo deveria agir de forma transparente com a sociedade e expor com clareza os cenários possíveis, cronogramas viáveis e as respectivas medidas necessárias à sua superação. E já que a sociedade brasileira será chamada mais uma vez a pagar pelos erros e omissões do governo, o mínimo que este deveria fazer seria não tentar enganá-la.
Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras – AESEL.
Nota Técnica n° 12
Brasília, 30 de junho de 2021.