Reclamação de refinarias privatizadas revela incapacidade de competir com a Petrobras.

Refinarias que eram da Petrobras se unem para pressionar o CADE a forçar a estatal a reduzir preço do óleo vendido para elas. Especialista diz que a atitude é anticoncorrencial.

As refinarias privadas, que produzem 20% dos combustíveis nacionais, não estão nada satisfeitas com as mudanças que vêm ocorrendo na Petrobras, desde maio. Elas se juntaram numa Associação Brasileira de Refino Privado (Refina Brasil) para questionar a estatal no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Querem que a empresa seja obrigada a vender petróleo a elas a preços iguais aos repassados às suas próprias refinarias, sob a alegação de concorrência prejudicial e abuso de posição dominante.
O problema é que, se essas refinarias não comprarem petróleo ao preço cobrado pela Petrobras, elas precisam pagar mais caro pelo óleo importado. Enquanto isso, as refinarias do sistema Petrobras pagam até 10% menos pelo óleo fornecido por fazerem parte do mesmo sistema.
A argumentação da Refina Brasil não faz sentido para Mahatma dos Santos, um dos diretores técnicos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), pois a Petrobras não tem obrigação de vender mais barato para suas concorrentes. Ele concedeu entrevista ao Portal Vermelho, e explicou a dinâmica
comercial do setor para demonstrar o que está por trás da reivindicação.

“Isto é um dissenso, não existe. A Petrobras vendeu um ativo, que passa a ter interesses distintos aos seus, e se tornou concorrente dela no mercado do Norte e Nordeste”, diz ele.
A Refina Brasil foi formada em dezembro do ano passado, assim que viu um novo governo assumir com estratégia diferente para o setor de petróleo. É composta pelos grupos que controlam duas refinarias privatizadas, em 2021, pelo governo Bolsonaro, na Bahia (Acelen, da antiga Rlam) e no Amazonas (Atem, da antiga Ream), além de outras
duas quatro empresas.
O objetivo é se fortalecer para um lobby no CADE como o que foi feito pela Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustível), que também foi fundada assim que houve o impeachment de Dilma

Rousseff, e Michel Temer mudou toda a estratégia de preços da estatal. Com a gestão de Pedro Parente, a Petrobras sequer se defendeu e ainda acabou se comprometendo em vender oito refinarias.
Agora, com essa reivindicação, as refinarias vendidas revelam que não têm condições de competir se a Petrobras não facilitar. “Atores do mercado que reivindicavam concorrência comercial, agora estão reclamando de um mercado mais concorrencial”, afirmou Mahatma.
Na atual gestão do Governo Lula, com os preços “abrasileirados”, surge uma enorme contradição comercial quando toda uma região do país, ao norte, passa a pagar muito mais caro por combustíveis, enquanto o Sul desfruta de preços bem melhores. “Acaba que esse esforço da Petrobras, do Ministério de Minas e Energia e do Governo Federal de tentar reduzir o impacto nos preços de revenda nas bombas não tem o efeito esperado, nesses mercados em que a Petrobras atua de maneira muito restrita”, explica Mahatma.
Surgem várias perguntas para entender os rumos desse mercado. Se por um lado, a Petrobras oferece melhores preços, as refinarias privadas usufruem de monopólio regional, pois contam com toda uma infraestrutura logística que foi vendida pela Petrobras.
O especialista do Ineep aponta as sinalizações que a Petrobras dá em sua estratégia comercial, que não parece favorecer as demandas da Refina Brasil. Com mais de 60 produtores de petróleo disponíveis no Brasil, fica difícil as refinadoras alegarem que dependem da produção da Petrobras.

A Refina Brasil quer petróleo da Petrobras, que é mais barato. Isso significa que o preço deles vai cair?
Quando a Petrobras assinou o Termo de Cessação de Conduta (TCC) com o Cade e se comprometeu a vender oito de suas refinarias, durante as gestões Temer e Bolsonaro, estava por trás dessa ideia uma abertura do mercado de refino no Brasil.
O Cade foi um personagem importante deste processo para pressionar a Petrobras a cumprir este acordo de venda de suas refinarias. Com essa motivação de que ampliaria a competitividade e a concorrência, abriria o mercado e atrairia maiores investimentos para o Brasil.
Mas o que a gente observou é que, na verdade, como no Brasil o parque de refino foi pensado de maneira integrada, as refinarias foram feitas para atender os mercado locais, regionais. A Repar no Paraná atende o Paraná, sul de São Paulo, Santa Catarina e um pouco do Mato Grosso. A Rlam, na Bahia, atende o interior e parte de outros estados do Nordeste.
O Ineep já falava lá trás que a venda das refinarias geraria monopólios regionais. Por ser integrado o sistema, cada refinaria se especializava num conjunto de produtos para atender as características de cada mercado. Assim, havia custos diferenciados, que, no sistema Petrobras, tornava isso mais competitivo e mais barato do ponto de vista da
integração, que ia do poço de petróleo até o posto de gasolina. Com isso, conseguia garantir margens de lucros adequadas na sua refinaria.
Depois da venda, essas refinarias têm mercados regionais consolidados e praticamente cativos para ofertar seus produtos.
Depois de privatizadas, elas estão demandando que a Petrobras pratique para elas o mesmo preço de comercialização de petróleo para suas próprias refinarias, como se fossem integradas ainda ao sistema Petrobras.
Isto é um dissenso, não existe. Você vende um ativo, como é o caso dessa refinaria que faz parte do grupo árabe Mubadala, e a Ream, na Amazônia, do grupo brasileiro Atem, que têm interesses distintos da Petrobras, e se tornou concorrente dela no mercado do Norte e Nordeste.
Nem é exatamente uma demanda, mas uma pressão política. A Rlam, do grupo Mubadala, refina petróleo dos árabes ou da Petrobras?
Até onde acompanho os dados, ela refina grande parte de seu petróleo comprado da Petrobras. Se não me falha a memória, 90% do petróleo processado nas refinarias é da Petrobras.
Por isso, elas reivindicam, porque têm um sistema logístico de abastecimento que opera, que torna o preço da Petrobras mais competitivo, que o preço importado. Se fosse mais barato importar, elas provavelmente não estariam pressionando a Petrobras a reduzir seus preços.
A Petrobras vende com preço diferente para eles, do que fornece para suas próprias refinarias?
Quando você está integrado ao sistema Petrobras, os custos são menores. Se você vende pra fora, para um outro ator, provavelmente a margem que a Petrobras pratica é maior do que o próprio sistema

interno, que não deve auferir uma margem tão grande de lucro, do que se vende pra fora.
Essas empresas estão reivindicando uma prática não comercial da Petrobras, como se fossem ainda ativos pertencentes a ela. Mas elas entraram no mercado e são concorrentes da Petrobras, que não vai mais tratá-las como uma unidade produtiva do seu sistema.
Ou seja, atores do mercado que reivindicavam concorrência comercial, agora estão reclamando de um mercado mais concorrencial.
A Petrobras poderia se recusar a vender e dizer para procurarem petróleo mais barato em outro lugar?
Não faz sentido do ponto de vista comercial a Petrobras deixar de realizar a venda para atores que já estão aqui, tem a Transpetro, tem dutos que carregam, tem toda uma infra-estrutura de logística de abastecimento já estruturada.
A Petrobras perderia mercado. Não faz sentido ela abrir mão do mercado.
Essas empresas poderiam importar. Muito provavelmente sairia muito mais caro que os preços que a Petrobras pratica.
Tem alguma chance dessa pressão dar certo e a Petrobras reduzir seus preços para elas?
A Petrobras anunciou há pouco mais de um mês uma mudança na sua política comercial.
Pelas declarações públicas do Jean Paul Prates, ele disse que a Petrobras seria competitiva e iria disputar todos os mercados possíveis.
Acredito que essas empresas podem fazer esse tipo de demanda, mas acho muito difícil que a Petrobras simplesmente acate, sem nenhuma contrapartida.
Não tenho notícia de que haja negociações neste sentido entre a Petrobras, a Ream (Atem) e a Rlam (Mataripe).
A Petrobras pode abrir uma refinaria nestas localidades? Poderia construir uma refinaria, mas fica a dúvida se estas refinarias  teriam viabilidade econômica. São mercados cativos, com uma demanda definida.

Primeiro, que os investimentos numa nova unidade produtiva de refino tem uma maturação de retorno de quatro a cinco anos para operar. Tem uma temporalidade.
Então tem que ver a viabilidade, analisar cada mercado, se valeria a pena a construção de uma refinaria.
Olhando de maneira global, o Brasil é um país importador de derivados e tem auto-suficiência em petróleo, então tem capacidade de ofertar petróleo para ser refinado se houver uma nova refinaria no Brasil.
Há um debate que tem sido feito no Brasil se amplia-se a oferta de derivados a partir da construção de novas unidades produtivas ou do aprimoramento do parque de refino que já existe ou se via importação. A escolha que tem sido feita, desde o governo de Michel Temer é pelo encolhimento da participação da Petrobras no fornecimento de derivados ao mercado brasileiro e um aumento da participação dos importadores.
Nessa nova gestão, a gente vê a Petrobras, após um processo de investimento, e paradas de manutenção das refinarias, ampliando novamente o fator de utilização de suas refinarias, que bateram no último mês 95% de utilização da capacidade de refino. No governo Bolsonaro, a Petrobras chegou a utilizar 75% da capacidade produtiva do parque de refino.
É evidente, então, o esforço da estatal de ampliar a oferta para competir pelo mercado brasileiro tanto com as outras refinarias, quanto com os importadores. O país estava muito exposto às volatilidades de preços do mercado internacional, conforme aumenta o nível de suas importações.
Então, é possível expandir a oferta de derivados no Brasil. A questão é como fazer isso. Se olharmos os últimos comunicados, a posição institucional da Petrobras, ela fala em modernização, qualificação e aprimoramento do
atual parque de refino para tentar ampliar a produtividade das plantas existentes. Mas não fala em construção de novas refinarias.
Essa maior disponibilidade de gasolina leva a Petrobras a competir no Nordeste ou Amazônia com as refinarias privadas? Isso vai ficar mais evidente quando sair o relatório de vendas e produção do segundo trimestre. Essas mudanças ocorreram todas nos últimos meses e a gente precisa de um tempinho para analisar o fluxo comercial
de derivados dentro do Brasil e da própria Petrobras.

O que a gente trabalha como hipótese é que a Petrobras ainda não entrou no mercado do Amazonas. Tanto é que grande parte dos influxos de importação de derivados, sobretudo de diesel, os principais portos de entrada de mercadorias são nas regiões Norte e Nordeste. Então, a gente vê que grande parte das refinarias brasileiras está concentrada no Sul e Sudeste, e é muito possível que a Petrobras esteja atuando mais concentradamente nesses mercados, e não disputando ainda, nesse primeiro momento, estes mercados do Norte e Nordeste. Somente na
Bahia.
Foi anunciada também a autorização pelo Cade da venda da Lubnor (Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste) no Ceará [que teve paralisação de trabalhadores entre o dia 27 e 29 de junho, que obteve compromisso da Petrobras]. Precisamos ver se isso vai se efetivar, mas acredito que a Petrobras deve se concentrar mais nesses mercados mais pujantes do Sul e Sudeste.
Uma outra posição dessa nova gestão da Petrobras é a reavaliação dos termos de cessação de conduta com o Cade de suspender o processo de venda de refinarias. Então, é muito possível que não sejam colocadas a venda novas refinarias além das duas que já foram vendidas e da Lubnor que está em debate.
Como o Cade deve se comportar agora, com o novo cenário de governo? A Petrobras sequer se defendia antes, em processos que eram levados ao órgão.
O Cade foi um ator institucional importante nas mudanças que a gente observou no mercado de óleo e gás no Brasil. Tanto na abertura do mercado de refino, quanto de gás natural. É muito difícil prever, mas o TCC entre a Petrobras e o Cade foi assinado em 2019 e deveria ter uma vigência de dois anos. Está havendo um contínuo adiamento desse termo. O último foi no final do governo Bolsonaro. Já deveria ter se efetivado a venda dessas oito refinarias.
O que a gente nota, das posições públicas, é que a Petrobras já procurou o Cade para um diálogo e nova negociação de formato desses termos. Como lá atrás, a Abicom foi o vetor de mobilização desse processo e a Petrobras concordou com a venda desses ativos, o Cade teve um papel de mediação. Não sei se o Cade vai mudar de posição, mas a Petrobras anuncia um comportamento diferente.
Este ano, estão previstas mudanças no corpo diretivo do Cade, que participam dessas tomadas de decisão.
Por que não foram vendidas essas outras refinarias?

Algumas foi por ausência de interesse de atores privados ou por propostas insuficientes, avaliadas pela própria direção da Petrobras como aquém do que elas valiam. O INEEP, assim como outras instituições financeiras, fez um estudo de evaluation e constataram que a Rlam foi vendida por cerca de metade do valor de mercado dela.
Isso justifica, de uma certa forma, não terem sido vendidas, seja o desinteresse ou ofertas menores que a desejada.
Você tem dito que seria difícil a Petrobras recuperar o mercado que ela perdeu no Norte e Nordeste. É por conta de monopólio privado?
A venda de refinarias representa a venda de toda uma infraestrutura associada a elas, como estrutura de armazenagem e escoamento, transporte de derivados. Cria-se um monopólio regional que dificulta para outras empresas como a Petrobras entrar nesses mercados, pelo custo financeiro maior. Vai depender da estratégia dela.
Estamos num momento de incerteza, pois a política estratégica da Petrobras mudou a um mês e estamos acompanhando os dados para tirar as primeiras impressões.
Enquanto isso, o consumidor do Norte e Nordeste vai continuar pagando mais caro pelo combustível, a não ser que essas refinarias baixem seus preços para competir em outros mercados? Um debate muito forte ocorre no Amazonas, em que os anúncios de queda nos preços da Petrobras não chegam às bombas de postos de Manaus, porque lá não chega o produto da Petrobras.  Acaba que esse esforço da Petrobras, do Ministério de Minas e Energia e do Governo Federal de tentar reduzir o impacto nos preços de revenda nas bombas não tem o efeito esperado, nesses mercados em que a Petrobras atua de maneira muito restrita. Por isso a queda maior observada nos postos de Sul e Sudeste.
Os derivados têm um impacto gigantesco no custo de vida da população. O diesel tem um impacto no custo logístico de quase tudo no Brasil. A gasolina tem impacto sobretudo no custo de vida das classes médias, dos trabalhadores de Uber, por exemplo. A redução do GLP, o gás de cozinha, também não chegou na região Norte.

Fonte: Vermelho

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *