Rombo nas Americanas: qual será o futuro dos 44 mil trabalhadores?

De acordo com o movimento sindical, há 17 mil ações trabalhistas em
curso contra a empresa.

Os sindicalistas Márcio Ayer e Ricardo Patah, dois dos principais líderes
comerciários do País
A semana começou em polvorosa para as Lojas Americanas. Na
segunda-feira (12), um relatório apresentado à Comissão de
Administração indicou que o rombo nas contas ultrapassa o patamar de
R$ 40 bilhões. É o dobro do valor anunciado em janeiro, quando o CEO
da empresa, Sérgio Rial, renunciou ao cargo.
Já na terça (13), na Câmara Federal, a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) das Americanas sabatinou o novo CEO, Leonardo Coelho
Pereira, sucessor de Rial. Pela primeira vez, um representante da
companhia admitiu o óbvio: para além de meras “inconsistências
contábeis”, houve, sim, fraude.

O relatório atribuiu as manobras criminosas a pelo menos 30 ex-
executivos. Como os dados ainda são preliminares, é possível – e é
provável – que o tamanho do rombo seja mais vasto. Ainda assim, já se
trata da maior fraude corporativa na história do Brasil. Os R$ 40 bilhões
perdidos representam um pouco menos que o orçamento anual da
cidade do Rio de Janeiro, que é de R$ 43,9 bilhões em 2023.
Para avaliar a crise nas Americanas pelo ponto de vista dos
trabalhadores, o Portal Vermelho entrevistou dois dos principais líderes
comerciários do País: Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos
Comerciários de São Paulo e da UGT (União Geral dos Trabalhadores);
e Márcio Ayer, presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de
Janeiro e membro da direção executiva da CTB (Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).
Na visão de Patah, o sindicalismo acumula experiência para travar a
batalha com as Americanas. “Temos expertise nesses casos, sim. Já
vivemos a falência de outras grandes varejistas, como o Mappin, a
Mesbla e a Lojas Glória”, recorda-se. “Por isso, assim que o CEO das
Americanas renunciou e evidenciou o problema, já entramos com força
no debate. E é muito importante começar bem essas lutas, não demorar
a agir e buscar todas as precauções.”
Ayer cita o exemplo da Ricardo Eletro, que chegou a ter mais de 1.200
lojas físicas e 28 mil trabalhadores no País. Em 2020, quando a rede
varejista entrou em recuperação judicial, em meio à pandemia de Covid-
19, todas as lojas foram fechadas – o que levou a uma demissão em
massa. “Até hoje, os milhares de trabalhadores demitidos não receberam
as verbas rescisórias”, afirma. “Esta é a regra até aqui: as redes fecham
operações e abrem falência, mas não pagam tudo a que os
trabalhadores têm direito.”
“Mudar o paradigma”
Para Ayer, “é preciso punir os culpados e proteger os empregos”. A CPI
na Câmara pode ajudar a “mudar a regra”, em benefício dos
trabalhadores comerciários.  “Os grandes empresários – que provocam
essas crises – nunca são punidos. Se a CPI tiver efetividade para
culpabilizá-los, podemos projetar um cenário em que esses empresários
tenham muito mais responsabilidade.”
A primeira unidade das Americanas foi inaugurada em 1929, no Rio.
Passados 94 anos, a Americanas S.A se converteu num dos maiores
grupos varejistas da América Latina. Entre as principais marcas da rede,
espalhadas por todas as regiões do País, estão as Lojas Americanas, as
Americanas.com, o Submarino e o Shoptime. Apenas nas pouco mais de

1.700 lojas físicas, a companhia emprega 44 mil funcionários. Qual será
o futuro deles?
Aproximadamente 70% desses trabalhadores são representados por
sindicatos da base da UGT. Seja qual for a extensão do rombo deixado
pelos executivos, Patah acredita que os riscos para os comerciários “não
são maiores”. Tudo porque, de acordo com ele, “os controladores das
Americanas têm recursos para fazer frente a qualquer necessidade e
garantir o ressarcimento aos trabalhadores”.
Em resposta à crise, a companhia começa a fechar operações,
especialmente no e-commerce (comércio eletrônico). Segundo o
Sindicato dos Comerciários do Rio – que faz a homologação de todos os
trabalhadores com mais de um ano no setor –, a base registra 260
demissões nas Americanas apenas neste ano. Graças à atuação do
movimento sindical, as verbas rescisórias têm sido pagas.
Para Patah, as notícias da semana evidenciam que a situação da
companhia é “mais grave” do que se pensava. “Mas, mesmo quando
falavam apenas em ‘inconsistências contábeis’, já se demonstrava uma
conduta totalmente fora de qualquer parâmetro de administração”, frisa.
“As Americanas passaram das páginas administrativas e trabalhistas
para as páginas criminais. Agora, é uma questão que será debatida em
outro fórum e que precisa ter consequência legais.”
A conta da crise
Desde março, as Americanas estão em recuperação judicial. A crer na
lista “oficial”, suas dívidas chegam a R$ 41,2 bilhões junto a 7.967
credores (pessoas físicas e jurídicas). De acordo com o movimento
sindical, há 17 mil ações trabalhistas em curso contra a empresa. Juntas,
essas ações cobram das Americanas um total de R$ 1,53 bilhão.
Uma ação civil pública movida por oito entidades sindicais pede
justamente o bloqueio de R$ 1,53 bilhão em bens dos três acionistas de
referência da empresa – os multibilionários Jorge Paulo Lemann, Beto
Sicupira e Marcel Telles. “As dívidas trabalhistas representam um
percentual pequeno da dívida total das Americanas. Os trabalhadores
não podem pagar a conta dessa crise”, afirma Márcio Ayer.
O presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro aposta
que as Americanas “têm condições de se recuperar”. Um de seus
acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, é nada menos que o
homem mais rico do Brasil, conforme levantamento da revista Forbes.
Em março, seu patrimônio foi estimado em R$ 86,1 bilhões.

“Quem lê o relatório da segunda-feira percebe um esforço de blindar o
Conselho de Administração, especialmente os três acionistas”, denuncia
Ayer. “O desmanche já começou, as demissões começaram, mas não
creio que as Americanas vão acabar.  Eu diria que os executivos estão
‘matando os filhos para salvar as mães’.”

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