Sem controle sobre a Eletrobras, Governo é refém da gestão privatizada

Rápido sucateamento da empresa pode gerar problemas para o serviço
elétrico. Governo Federal precisa enfrentar o tema politicamente

O novo presidente da Eletrobras, Ivan Monteiro, está conversando com
ministros e políticos em Brasília na busca de interlocutores para resolver
o impasse da empresa com o governo. As possibilidades são mínimas,
diante da relação entre a União e a companhia. Isto ocorre no momento
em que houve um apagão elétrico em todo o país, nesta terça (15).
A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva tenta obter mais controle na
companhia, que foi privatizada no ano passado. Embora tenha 42% das
ações, o Governo não tem nenhuma indicação no Conselho de
Administração da empresa, ficando totalmente alheio às decisões. O
problema é que o Governo Federal tem responsabilidades constitucionais
sobre o serviço de energia para a população e tem que responder por
eventuais colapsos, como o de ontem.
Quando ocorre um problema no setor elétrico, como um racionamento,
inflação absurda das tarifas, ou um apagão que causa transtornos para a
vida das pessoas e prejuízo econômico, a responsabilidade não recai
sobre a empresa. O setor elétrico, por comando constitucional, é de
responsabilidade do governo federal, e não dos estados, das prefeituras,
ou das empresas.

Segundo fonte da empresa consultada pelo Portal Vermelho, o
problema da falta de controle público e governamental sobre o setor vai
mais longe. O profissional pediu para não ser identificado devido ao clima
de perseguição interna aos trabalhadores, com ameaças de demissão
aos críticos da privatização. Além de não ter controle sobre a Eletrobras,
como maior acionista, todos os diretores da agência reguladora, a Aneel
(Agência Nacional de Energia Elétrica), são indicações do governo
passado, com mandato. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)
é privado, e quem tem maior poder de voto no Operador é a Eletrobras,
privatizada. Desta forma,  o governo não tem nenhum controle sobre o
setor elétrico.
Com o apagão, o ministro Alexandre Silveira não tem a quem recorrer
para saber o que aconteceu. Ele só soube quem controla a Eletrobrás,
depois que a empresa já havia definido. “Eu espero que esse episódio
[do apagão] sirva para que o governo se conscientize que os
trabalhadores não estão brincando, quando alertam sobre os riscos. A
gente vai continuar a vida, apesar das demissões, agora esse governo
pode acabar, sofrer boicote, crise e todo tipo de infortúnio, porque o setor
elétrico é um setor vital. O apagão de ontem demonstrou que não é

preciso ficar um mês sem energia, mas apenas algumas horas”, diz o
entrevistado.
Enquanto isso, o setor passa por um rápido sucateamento dos serviços,
conforme avançam as demissões de trabalhadores experientes e cortes
de custos operacionais. O objetivo é acelerar o giro do lucro para os
acionistas, enquanto o preço da energia está muito baixo, devido ao
excesso de oferta. A empresa tem dado resultados abaixo do esperado,
após a privatização, o que gera impaciência no grupo controlador.
Alertas ao Governo
O Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) emitiu nota em que diz que
previu a possibilidade de um apagão por diversas vezes, inclusive
enviando correspondência ao Ministério de Minas e Energia (MME), ao
ONS e à Aneel.
No documento “Privatização da Eletrobras e demissões apagaram o
Brasil”, o CNE diz que a própria falta de profissionais qualificados, hoje,
na empresa, vai dificultar o diagnóstico do apagão que atingiu todos os
estados atendidos por ela. A recomposição do Sistema, diante de algum
vandalismo em torres de transmissão, também é mais demorada por
sobrecarregar os poucos quadros técnicos.
O documento revela que ainda em dezembro, no governo de transição,
foi ignorada pela empresa a solicitação da suspensão das demissões.
“Mais uma vez o CNE, alertou diversas instancias do Governo, tanto da
falta de quadros técnicos, quanto de descumprimentos de normativos de
seguranças Brasil afora”, diz a nota.
O Coletivo ainda avalia que a saída de Wilson Ferreira pode representar
uma vitória do mercado financeiro sobre o conhecimento técnico, já que
Ivan Monteiro “conhece de cifras”. O CNE defende que o STF deve se
pronunciar urgentemente sobre a ADI 7385, em que o governo Lula
questiona a cláusula que impede a União de ter indicações
administrativas proporcionais a sua participação acionária.
O ex-presidente Wilson Ferreira tinha um vasto conhecimento do setor
elétrico e resistia a um sucateamento tão rápido, especialmente com
perda de profissionais experimentados, colocando o sistema elétrico em
risco. Wilson defendia um patamar mínimo de segurança com o setor
gerido pela empresa.
Com o afastamento do engenheiro, a gestão fica livre para cortar
investimentos, custos, demitir trabalhadores, não contratar novos e mais
baratos, pondo em risco a confiabilidade do sistema. Apesar de todos
alertas, fontes da empresa sentem que o governo os ignora.

“Sinceramente. O que acontece é o seguinte: o governo fala, o
presidente Lula fala, o ministro fala, mas, até agora, a gente não viu nada
em termos de eventos concretos”, disse o entrevistado.
Governo refém
O entrevistado avalia que a opção do governo por questionar o problema
acionário no Supremo Tribunal Federal (STF) é insuficiente. Ele lembra
que isso vai depender da boa vontade dos ministros pautarem sua
análise o que apenas joga o prazo para a frente. Além disso, ele acredita
que o STF pode se sensibilizar com o argumento do mercado.
Somado a esses fatores, já havia outras quatro ações de
inconstitucionalidade, desde 2021. “Eu acho que o governo tinha que
questionar isso politicamente. Isso tinha que ser resolvido com uma
Medida Provisória e esta é uma boa hora para comprar esse debate no
Congresso. A Eletrobras foi privatizada por Medida Provisória”, diz.
O trabalhador da Eletrobras defende ainda que este debate no
Congresso não deveria ser feito apenas para retomar o poder de voto,
mas para reestatizar a empresa. “O mundo inteiro está indo nesse
sentido. Não estamos falando de países socialistas que estão
reestatizando o setor elétrico, porque esses não privatizam. Estamos
falando de países capitalistas, que não abrem mão do setor elétrico. O
Brasil abre mão da sua soberania energética”.
A mudança na participação do governo no controle acionário faria
diferença? O entrevistado diz que sim. Se o governo pudesse cumprir
corretamente a participação acionária preponderante que tem em relação
aos demais, ele poderia mudar, por exemplo, a direção da empresa,
evitar as demissões e mudar o rumo da administração, efetivamente.
“Nós não achamos que isso seja suficiente, mas achamos que, do ponto
de vista emergencial — porque nós temos uma situação emergencial —,
ao menos o governo poderia dar um freio nesse desmonte”, afirma a
fonte. Ela lembra que, do ano passado para cá, houve 2.500 demissões
e estão previstas mais 1.500 até o final desse ano. A empresa que tinha
26 mil funcionários no governo Temer, agora tem 8 mil e vai terminar o
ano com 7 mil.
Setor estratégico
O setor elétrico sempre foi uma questão estratégica. Uma indústria que
não produz algo que possa ser substituído. A energia elétrica é um bem
de consumo e serviço básico consumido diretamente pelas famílias, mas
que impacta diretamente o orçamento e a qualidade de vida de todos,
pois é um insumo básico para a produção, também.

É uma infraestrutura básica. Todos os setores econômicos utilizam
energia elétrica. Sem energia, o país pode ter problema de segurança
alimentar e de saneamento, por exemplo. Não é possível bombear água
para as cidades sem energia elétrica, como já aconteceu em algumas
cidades.
Os trabalhadores defendem a necessidade de reestatizar o setor, pois
um outro governo pode vender o controle acionário atual da União e
acabar com qualquer perspectiva. Nenhum país do mundo terceiriza
esse setor. A não ser economias realmente muito dependentes, que não
têm participação estatal no setor elétrico.
As privatizações do setor elétrico ocorridas no último período, desde o
final dos anos 80, levaram a resultados desastrosos conhecidos
internacionalmente. Por isso, esses países estão retomando o controle
sobre as empresas. A nota do CNE cita o caso da reestatização da EDP
na França, que já tinha 85% do controle, mas resolveu fechar o capital.
“Isso dá o tom que o Brasil deve seguir”, diz a nota.
No Brasil, as hidrelétricas cumprem um papel essencial no setor
energético. Elas não só produzem energia, mas fazem a gestão de todo
o sistema hídrico do país. Então, quando uma delas é privatizada, é a
água e o controle dos rios que está sendo entregue a particulares. “Isso,
país nenhum do mundo faz. E quem fez, como a Alemanha, está tendo
que reestatizar mais de 300 empresas de energia elétrica, nos últimos
anos”, diz o entrevistado.

Fonte: Portal Vermelho

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