Toneladas de picanha, 80 mil cervejas: militares torram verba pública

Despesas foram tema de representação ao procurador-geral Augusto Aras.

Em tempos de recessão econômica e pandemia, as Forças Armadas brasileiras usaram dinheiro público, ao longo de 2020, para bancar a compra de mais de 700 toneladas de picanha e 80 mil cervejas.

O incrível volume de itens supérfluos não foi suficiente para evitar o superfaturamento. A picanha foi comprada por R$ 84,14 o quilo, enquanto as cervejas especiais, de puro malte, saíram a R$ 9,80 cada.

Não se trata de itens quaisquer. Para um dos cortes de carne mais nobres do País, foram escolhidas como referência peças das mais caras. Entre as cervejas, privilegiou-se o puro malte, de preço igualmente acima da média.

As despesas com bebidas alcoólicas e carne de churrasco foram tema de uma representação que deputados do PSB enviaram na terça-feira (9) ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para que investigue os gastos militares. A informação foi revelada pelo site Congresso em Foco.

O levantamento utilizou informações do Painel de Preços do Ministério da Economia, a mesma ferramenta pública que revelou as compras milionárias de leite condensado. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro justificou que se tratava de um item “necessário” aos militares, dado seu alto teor energético e calórico.

Questionada sobre as justificativas e motivações para a compra dos 714.700 quilos de picanha e 80.016 garrafas e latas de cerveja em pleno ano de pandemia, as Forças Armadas tergiversaram. Em nota, o Ministério da Defesa informou que aguarda a notificação da Procuradoria Geral da República.

“O Ministério da Defesa e as Forças Armadas reiteram seu compromisso com a transparência e a seriedade com o interesse e a administração dos bens públicos. Eventuais irregularidades são apuradas com rigor”, afirmam. Segundo o ministério, o tema foi objeto de nota de esclarecimento, mas o órgão não explicou as razões que levaram à aquisição de cervejas e de picanha.

O deputado Elias Vaz de Andrade (PSB-GO), um dos signatários da representação, afirma que os dados são oficiais e que se trata de preços devidamente registrados e aprovados pelas Forças Armadas, para que possa solicitar os alimentos. “Estamos denunciando esses processos licitatórios. Essas empresas tiveram suas propostas aprovadas, por esses valores”, afirma.

De acordo com Elias, “há processos de compra concluídos e, inclusive, já efetivamente pagos. Todos eles foram homologados pelas Forças Armadas”. O deputado ironiza: “Falam que fazem uma alimentação balanceada, mas não explicam por que essa alimentação deve incluir itens como picanha e cerveja”.

Na relação detalhada de compras de cervejas anexada à denúncia dos deputados estão, por exemplo, 500 garrafas da bebida, da marca Stella Artois, ao preço unitário de R$ 9,05. Há ainda a aquisição de 3 mil garrafas de Heineken, a R$ 9,80 cada. O comando da 23ª Brigada de Infantaria de Selva preferiu 3.050 garrafas de Eisenbahn, ao custo de R$ 5,99. Já a Brigada de Infantaria Motorizada do Rio de Janeiro optou por 1.008 latas de Bohemia Puro Malte, pelo valor de R$ 4,33 cada. Em supermercados, aponta a representação, o preço médio desse item é de R$ 2,59.

A lista de cervejas inclui ainda 2 mil garrafas de 600ml de Bohemia Puro Malte, pelo valor de R$ 7,29, quando essas garrafas são encontradas por R$ 5,79. Para comprar mais 1.600 latas de Skol Puro Malte, de 350 ML, os militares pagaram R$ 4,00 pela unidade, item que é encontrado a R$ 2,69 em redes de varejo.

“O superfaturamento é evidente”, afirmam os deputados, na representação. “A grande quantidade que os órgãos solicitaram via processo licitatório deveria favorecer a negociação e proporcionar preços muito menores que os oferecidos no varejo. A realidade, todavia, demonstra que os preços contratados são superiores aos praticados pelos supermercados.”

As informações revelam ainda que Marinha, Aeronáutica, Exército, Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL) e a administração interna do Ministério da Defesa são grandes consumidores de picanha. Só em 2020, foram concluídos 76 processos de compra do corte, somando 714.700 quilos da carne nobre. O Comando do Exército Brasileiro é o campeão em processos de compras do produto, tendo consumido 569.215 quilos do total.

Os dados revelam uma licitação de 13.670 quilos, na qual o valor de cada quilo pago foi de R$ 84,14. A se basear no preço que os militares estavam dispostos a pagar pela carne, até que saiu barato. O valor médio estimado pela equipe que conduziu a fase interna da licitação, de acordo com os documentos do certame, foi de R$ 118,25 o quilo. “Sinceramente, é preciso investigar qual foi o corte de carne usado para se chegar a esse preço médio irreal”, informa a representação.

“Em um ano de pandemia, com crise sanitária, econômica e social devastando nosso país, é inacreditável que os cofres públicos tenham custeado gastos com cerveja”, declaram os deputados. “Enquanto nosso povo padece por falta de recursos para sobrevivência, nossos militares usaram dinheiro público para custear bebidas alcoólicas. Tal conduta fere de morte o Princípio Constitucional da Moralidade Pública.”

Não se quer afirmar que os militares “não podem comer carne”, argumentam os parlamentares, mas, sim, questionar “o grau de sofisticação empregado” nas compras de cortes nobres e específicos. “O episódio narrado nesse item revela que houve ostentação e os privilégios direcionados para alguns, conduta que destoa do discurso de humildade e simplicidade usado pelo Presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais.”

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