A CLT chega aos 80 anos como marco civilizatório da nossa história

A Consolidação das Leis Trabalhistas, aprovada pelo presidente Getúlio Vargas no
dia 1º de Maio de 1943, representou uma mudança radical na forma como o
Estado brasileiro trata o povo. Com 922 artigos, a CLT passou um pente fino nos
diversos ofícios praticados no país em uma enorme tarefa de organizar o mundo
do trabalho. Ela definiu o que é rural e urbano, o que é serviço público e privado,
delimitou jornadas, definiu os deveres dos empregadores, abordou questões de
saúde e segurança, previdência social, representação sindical etc. Foi um esforço
de projetar o país em larga escala nunca antes visto.
Não se pode dizer que não havia nenhuma lei trabalhista antes da CLT. A
construção da nossa República, já em seu advento em 1889, buscou, ainda que
tardiamente, inserir o país no mundo capitalista. Mas aquelas primeiras leis eram
tão frágeis e tendenciosas quanto as ideias das classes dominantes sobre o fim da
escravidão. Mesmo após a abolição, em 13 de maio de 1888, as relações
patrão/empregado mantiveram o caráter autoritário, desumano e injusto que
vigorou em quase 400 anos de escravidão.
Após a Revolução de 30 foi implementado um projeto desenvolvimentista que
exigia tanto uma mão de obra mais qualificada, quanto um crescente mercado
consumidor. E a criação, em novembro de 1930, do Ministério do Trabalho,
chamado de nada menos que “Ministério da Revolução”, foi fundamental para
criar a estrutura de proteção ao trabalhador para o Brasil industrializado que
Vargas vislumbrava.
Demandas sindicais, como jornada de trabalho de 8 horas, salário-mínimo, voto
feminino, regulamentação da sindicalização, licença-maternidade, entre outras,
reivindicadas em greves, como as de 1917 e 1919, e por meio de organizações,
como a Confederação Operária Brasileira (1906 a 1920), encontraram lugar no
projeto do governo. Direitos trabalhistas mais abrangentes começaram a aparecer
desde então.
A CLT proporcionou, enfim, a criação de uma classe média no Brasil, oferecendo
ao povo a possibilidade de organizar a vida, de planejar o futuro, de crescer
profissionalmente e de ascender socialmente. São gerações de pais e mães de
família que não só passaram a ter mais segurança em seus empregos, como
também a buscar qualificação técnica e a valorizar a educação dos filhos.
Em sua história a legislação trabalhista passou por diversas mudanças. Algumas
vezes para melhor, como a equiparação dos direitos de homens e mulheres e de
trabalhadores rurais e urbanos, a proibição da discriminação (por sexo, raça e cor
ou estado civil), negociação coletiva e da organização sindical no serviço público,
redução da jornada de 48 para 44 horas semanais etc. Conquistas que resultaram
de lutas sindicais e sociais.

Mas, como os descendentes dos oligarcas da República Velha jamais aceitaram a
mudança de status dos trabalhadores de escravizados e semi-escravizados para
civis com participação política, econômica e cultural, nem sempre as mudanças
foram populares.
Basta observar que quanto mais o governo sustenta uma concepção feudal do
Brasil, maior é o número de mudanças na CLT que ele promove. Durante a
ditadura militar, por exemplo, houve várias alterações, como a substituição da lei
que garantia estabilidade no emprego após dez anos registrado em uma mesma

empresa, pela criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Mudança que incentivou a rotatividade da força de trabalho.
O maior desmonte em toda a história da legislação ocorreu, entretanto, nos
governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Não é mero deboche chamar a
reforma trabalhista de 2017 de “deforma” como muitos críticos fazem. Com
alteração de mais de 200 dispositivos, seguida por outras minirreformas, a Lei nº
13.467/2017 forjou uma verdadeira deformação na CLT.
Assistimos ao fenômeno da uberização, vendido pelos governos Temer e
Bolsonaro, como geração de empregos. São empregos, todavia, circunscritos ao
aqui e agora, que mal formam um presente, quem dirá um futuro.
A ampla retirada de direitos e a redução do poder do Estado tiveram efeitos
nefastos, como a fragilização dos sindicatos, a precarização do trabalho, a
diminuição do rendimento médio da população, a desindustrialização, a elevação
do número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, fome generalizada,
além do aumento da criminalidade e da violência.
A reforma foi anunciada como “modernização” como se representasse um avanço
nas relações de trabalho existentes. Mas o cerceamento das leis trabalhistas, do
movimento sindical e da classe operária, práticas reeditadas ao longo da história,
são formas de conter o desenvolvimento inaugurado na década de 1930.
Desenvolvimento que, todavia, ainda está em curso.
Mesmo que a CLT tivesse completado sua missão de garantir segurança e poder
de escolha para todos os brasileiros, ainda assim a presença do Estado e a
participação ativa das entidades sindicais seriam importantes para garantir
isonomia na relação patrão/empregado.
Somente uma mudança de patamar histórico, com uma elevação coletiva da
consciência, poderia engendrar relações seguras e justas independente da
obrigação da lei. A realidade do Brasil de 2023 está muito longe desse patamar. O
que move nossa sociedade é a constante tensão entre a busca das classes
dominantes por privilégios e a luta classes populares para que a vida seja mais do
que o pão de cada dia.
É um grande cinismo atribuir à retirada de direitos o caráter de “modernização”
quando a essência desta prática é a do retrocesso à República Velha. Os 80 anos
da CLT são ainda pouco tempo frente aos quase 400 anos de escravidão que
normalizaram o racismo, os abusos e a exploração desenfreada dos
trabalhadores.
É por isso que neste 1º de Maio de 2023 a CLT chega aos 80 anos como um dos
maiores marcos civilizatórios da nossa história. A crise socioeconômica de 2016 a
2022, agravada pela pandemia, reforçou a importância e a necessidade da
Consolidação das Leis Trabalhistas.
A segurança do povo brasileiro frente à contradição entre o capital e o trabalho
ainda reside na legislação trabalhista, nas convenções coletivas e na organização
sindical. É isso que buscamos construir: um país com contratos sociais justos,
públicos e incontestáveis que diminuam as disparidades regionais e sociais, e
acima de tudo, que assegurem ao trabalhador sua liberdade, sua dignidade e sua
posição como cidadão.
Miguel Torres, Presidente da Força Sindical
Ricardo Patah, Presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores)

Adilson Araújo, Presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil)
Antonio Neto, Presidente da CSB, (Central dos Sindicatos Brasileiros)
Moacyr Roberto Tesch Auersvald, Presidente da NCST (Nova Central Sindical de
Trabalhadores)

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