Brasil deve voltar a crescer com “superciclo de commodities”, diz Roubini

Para o economista norte-americano, apelidado de “Doutor Catástrofe”,
esse ciclo se estenderá “pelo menos pela próxima década”

Conhecido pelas previsões catastrofistas sobre a economia mundial,
Nouriel Roubini – que previu a grande crise capitalista de 2007/2008 – já
vê o Brasil avançar sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O
economista norte-americano de origem judaico-iraniana, apelidado de
“Doutor Catástrofe” e “Doutor Apocalipse”, acredita que o País pode
retomar o rumo do crescimento, embalado pelo que chama de
“superciclo de commodities”
Em entrevista ao Valor Econômico, Roubini pontuou que esse ciclo se
estenderá “pelo menos pela próxima década”. Com isso, diferentemente
do que dizem analistas do mercado, o Brasil não correria o risco de
entrar em recessão nos próximos trimestres.
“Temos que separar as forças cíclicas das forças seculares. Há
certamente uma desaceleração no crescimento econômico, nos Estados
Unidos e nos países desenvolvidos, principalmente”, explica. “As boas
notícias são a retomada da China, que será capaz de crescer 5% ou
mais neste ano, e ter demanda para uma variedade de commodities. E a
Índia, que também terá crescimento robusto.”
Essa demanda em alta é o fator de diferenciação para a economia
brasileira, que há dez anos se alterna entre estagnação e recessão.
Segundo Roubini, “há uma correção de preços temporária em
algumas commodities, como vimos no petróleo. Mas o fundamento do
mercado de energia hoje é que há um subinvestimento considerável em
combustíveis fósseis, com um crescimento em renováveis ainda
insuficiente para compensar isso”.
O economista se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial. Suas impressões: o
atual governo de Lula, ao menos no discurso, “soa muito mais Dilma do
que Lula 2”. O empecilho para a retomada, a seu ver, é a composição da
Câmara dos Deputados e do Senado, com a grande presença de
parlamentares do Centrão. “É um Congresso que ele (Lula) não controla
e que não aprova legislação radical em política econômica”.
Na visão de Roubini, há limites para uma política econômica de centro-
esquerda no Brasil. “O mercado privado continua ativo e vigilante.
Reduzir privatizações é aceitável, mas revertê-las, não”, avalia. “Goste
ou não, qualquer país está sujeito à disciplina do mercado, pois
seus spreads aumentam, sua moeda se desvaloriza, os investidores vão
embora”, agregou.
O “Doutor Apocalipse” critica a gestão Joe Biden, que, a exemplo do
governo Donald Trump, trata a América Latina com desdém e uma certa
arrogância, como se considerasse a região como seu quintal. “A China é
ativa no engajamento com a região, o que é positivo para o Brasil,

porque essa aproximação não é só em commodities”, diz Roubini. “Os
Estados Unidos vão se dar conta que precisam de uma política proativa
comercial, de investimentos, de financiamento de operações ligadas ao
clima, em vez de só apontar o dedo.”
Seja para os vizinhos, seja para o próprio Brasil, um dos gargalos vistos
por Roubini é o atraso na adesão a uma nova economia, marcada pela
rápida expansão da inteligência artificial e da robótica. “Essas
tecnologias vão aumentar a produtividade. Ainda que não vejamos isso
nos dados macroeconômicos, quem cria a inovação e quem usa pode
melhorar essa produtividade, curar doenças, prolongar a vida, controlar a
pandemia”, afirma. Otimista, ele crê que até que a inteligência artificial
possa ser “uma força deflacionária daqui a dez anos”.
Mas, pondera Roubini, é preciso ter cautela com os “efeitos colaterais”,
como o risco de “maior desigualdade de renda”. A razão: “Não é possível
prover as mesmas habilidades aos empregos mais braçais ou
administrativos. A classe média tende a ser espremida”, opina. “Já
vemos hoje uma geração de jovens que sentem que não vão conseguir
atingir o mesmo patamar dos pais – o que ajuda a explicar por que
extremistas radicais de direita e de esquerda estão tomando o poder.”

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