Com piora no serviço, 884 empresas foram reestatizadas no mundo após privatização

Referência para o sistema capitalista, os EUA figuram na terceira posição do

ranking de reestatizações; Europa lidera

Uma das pautas prioritárias do governo de Jair Bolsonaro (PSL), sob o comando
do ministro da Economia Paulo Guedes, a privatização de empresas públicas
brasileiras segue colecionando críticas de especialistas que afirmam que o Brasil
está caminhando na contramão do mundo.
Uma pesquisa realizada em 2017 pela entidade holandesa Transnational Institute
(TNI) identificou a ocorrência de pelo menos 884 casos de reestatização, entre os
anos de 2000 e 2017. No total 835 empresas que haviam sido privatizadas foram
remunicipalizadas e outras 49 foram renacionalizadas.
Segundo o mapeamento, a tendência se mostra mais forte na Europa, onde
somente Alemanha e França respondem por 500 casos, mas é observada também
em outros lugares do globo, como Japão, Argentina, Índia, Canadá e Estados
Unidos. Um dos países de maior referência para o sistema capitalista, os EUA
figuram na terceira posição do ranking, tendo registrado 67 reestatizações no
período monitorado pela TNI.
A TNI aponta que, nesses lugares, a prestação dos serviços públicos sofreu alta
no preço e queda na qualidade. Nesse sentido, a presidenta da Confederação dos
Trabalhadores do Serviço Público Municipal nas Américas (Contram), Vilani
Oliveira, afirma que a perspectiva neoliberal – que dá sustentação às
privatizações – contrasta com o interesse público.
“Mesmo nos países mais desenvolvidos no centro do capitalismo, embora, para
eles, seja vantagem, seja negócio [a venda], pelo fato de ter lucro, quando
sofrem a pressão popular, eles se veem obrigados a mudar as regras do jogo”,
pontua.
O processo de reestatização de empresas públicas ganhou fôlego especialmente
do ano de 2009 para cá, quando foram registrados mais de 80% dos 884 casos
mapeados. Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Seguridade Social, Sandro Oliveira Cezar, que acompanha com atenção o tema na
esfera internacional, o marco está ligado à crise econômica mundial que eclodiu
no mesmo ano.
“Prestar alguns serviços essenciais de natureza pública custa caro e só o Estado é
capaz de fazer com qualidade. Com a crise, o setor privado se retira porque não
consegue obter os lucros absurdos que ele sempre pretende quando vai pra essa
área, como é o caso das de fornecimento de água e de limpeza urbana. Investir
em infraestrutura nessas atividades custa caro e sempre é assim: o Estado faz o
melhor investimento e, depois, elas [as empresas] exploram o serviço. Como isso
tem um ciclo, acaba, no final da história, voltando pro Estado esse papel porque
os serviços são essenciais à população”, destrincha Cezar.
De Temer a Bolsonaro
No Brasil, o projeto de desestatização de empresas públicas se intensificou
durante o governo do emedebista Michel Temer (2016-2018), quando se
iniciaram, entre outras coisas, o fatiamento de empresas da Eletrobras e a
tramitação do processo de fusão da Embraer, companhia brasileira do ramo de
aviação, com a empresa estadunidense Boeing. A operação atualmente é alvo de

questionamentos no âmbito da Comissão Europeia, Poder Executivo da União
Europeia, que aponta risco de redução da concorrência no mercado.
Sob o governo Bolsonaro, o país tenta implementar um plano venda de estatais
comandado pelo ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, que tem
prometido grandes privatizações em 2020. Em agosto, foi apresentada uma lista
com o nome de 17 empresas a serem vendidas pelo governo, como Correios,
Telebras, Casa da Moeda e Serpro.
Mas a cartilha já começou a ser executada. Em julho, o governo vendeu parte da
BR distribuidora, subsidiária da Petrobras, pelo preço de R$ 8,6 bilhões. Com isso,
a participação da estatal na empresa reduziu de 71,25% para 41,25%. De modo
geral, a área de energia está entre as mais visadas pelos atores que defendem as
desestatizações. Também se somam a ela os serviços de água e transporte, por
exemplo.
E se os EUA privatizassem a Nasa?
Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que o Brasil possui um total de
138 estatais federais. O número atinge a marca dos 400 quando são
contabilizadas as empresas ligadas a estados e municípios. Entre os argumentos
colocados por Guedes para defender a venda das companhias, está o de que o
Brasil teria um número excessivo de estatais.
A afirmação é contestada por especialistas, como é o caso do analista político
Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap),
para quem a lista de privatizações do governo tende a comprometer aspectos
considerados elementares, como a soberania nacional.
“Na verdade, esse debate sobre estatais está colocado sobre uma base errada.
Não é o fato de termos demais ou de menos, e sim de termos em setores
estratégicos. Dá pra imaginar os Estados Unidos com a Nasa privatizada? A Nasa
é estatal. E é importante que se diga que o setor estatal é vital pro
desenvolvimento de um país, sobretudo em setor estratégicos. Água é um ativo
estratégico, energia é estratégica, tecnologia é estratégica”, enumera o analista.
A pauta das privatizações de empresas públicas encontra resistência também nos
segmentos sociais. Uma pesquisa Datafolha divulgada no mês passado mostrou
que 67% dos brasileiros rejeitam a ideia.

Fonte: Brasil de Fato

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