Isonomia salarial é parte da luta por igualdade entre homens e mulheres

Para Tauá Pires, da Oxfam Brasil, lei a ser proposta pelo governo Lula
pode ajudar a combater a desigualdade salarial, algo que não será

transformado de maneira natural

Na data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, 8 de março,
o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentará projeto de lei
com o objetivo de garantir a igualdade de salário entre homens e
mulheres na mesma função no Brasil. Embora prevista na Constituição e
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a igualdade de gênero no
mercado ainda não é respeitada, reflexo do machismo estrutural
presente dentro e fora do país.
Embora esteja em construção, sabe-se que o projeto deverá alterar a
CLT e ter efeito imediato após aprovada. Na reforma trabalhista de 2018,
foi estabelecida multa para empresas que pagarem salários diferentes
para homens e mulheres que cumpram a mesma atividade, mas, na
avaliação da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet,
como o valor é pequeno, acaba não surtindo o efeito esperado.
Durante evento que abriu o Mês da Mulher, realizado no Palácio do
Planalto na terça-feira (28), Tebet salientou: “Nós temos que mudar essa
lei da reforma trabalhista para colocar uma multa maior, para não valer a
pena tratar de forma desigual homens e mulheres”.
Ela acrescentou que “a lei é o primeiro passo, mas nós sabemos que a
discriminação é cultural, é estrutural, e depois, a médio prazo, par e
passo com políticas públicas, com divulgação através da mídia, nós
conseguiremos alcançar essa igualdade salarial que é a base para que a
mulher tenha igualdade de direitos”. A busca por essa isonomia foi uma
das condicionantes colocadas por Tebet para apoiar Lula no segundo
turno.

A medida a ser proposta pelo governo Lula é uma das muitas ações que
precisarão entrar em vigor para que a estrutura machista e desigual da
sociedade seja transformada.
No mesmo evento de anúncio das ações governamentais, a ministra das
Mulheres, Cida Gonçalves, destacou que na próxima semana devem ser
ainda anunciadas ações transversais de mais de 30 ministérios. “Porque
somos nós mulheres que estamos abaixo da linha da pobreza,
principalmente mulheres negras, que estamos passando fome, somos
mãe solos, somos mortas e temos nossos corpos violados todos os dias”,
destacou.
Avanço para as mulheres

Tauá Pires. Foto: Arquivo pessoal
Ao Portal Vermelho, Tauá Pires, coordenadora de Justiça Racial e de
Gênero da Oxfam Brasil, disse que a entidade avalia a iniciativa da
Presidência da República de forma positiva. “É importante que leis
existam para fiscalizar algo que não vai ser transformado de maneira
natural, muito pelo contrário: a estrutura atual só vai reforçando essa
questão da desigualdade entre homens e mulheres, entre pessoas
brancas e negras”.
Ela lembra, no entanto, que o debate sobre isonomia salarial de gênero
vem se desenvolvendo há anos na cena política e social brasileira. “Essa
não é uma proposição nova. Na verdade, desde 2009 tem havido uma
discussão em torno de um projeto de lei, com idas e vindas da Câmara
para o Senado, que seria para regular e fiscalizar as empresas com
previsão de multa, visto
que essa questão da igualdade salarial numa mesma ocupação já é
prevista na CLT. O artigo 461 já estabelece que não pode haver essa
distinção se  duas pessoas ocupam a mesma a mesma função”.
Vale lembrar ainda que quando presidente, em 2021, Jair Bolsonaro (PL)
devolveu ao Congresso projeto de lei que já estava pronto para sanção,
prevendo o aumento da multa. O valor corresponderia a cinco vezes a
diferença salarial paga pelo empregador. Porém, o então presidente,
mais uma vez, preferiu não interferir numa das principais desigualdades
presentes no país, posição coerente com seu histórico de desrespeito

aos direitos humanos. Em mais de uma ocasião, aliás, Bolsonaro disse
que mulheres deviam receber menos por engravidarem.
Vânia Marques Pinto, secretária de Política Agrícola da Contag
(Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e
Agricultoras Familiares) também avalia positivamente a medida
anunciada pelo governo Lula e defende que além de penalidades para os
descumpridores, haja também “espaços de acompanhamento, como um
conselho, e talvez até uma ouvidoria para denúncias”.
Leia também:  Deputada Daiana Santos apresenta projeto para garantir
equidade salarial

Vânia Pinto. Foto: Contag
Ela completa dizendo que medidas como essa também ajudam a dar
visibilidade à desigualdade, inclusive para as mulheres que atuam em
atividades rurais. “No campo brasileiro, em se tratando da agricultura,
nós temos dois tipos de trabalhadoras:  as agricultoras familiares e as
assalariadas rurais. Para as assalariadas, espera-se que a medida
impacte instantaneamente com a aplicabilidade da lei, e para as
agricultoras familiares, mesmo não sendo diretamente atendidas, essa
visibilidade se torna politicamente relevante na discussão da autonomia
das mulheres”.

Fenômeno global
Para além das fronteiras brasileiras, é preciso lembrar que a
desigualdade de gênero no âmbito do trabalho, por ser estrutural, é
também global e por isso, depende de ações dos Estados nacionais para
mudar — afinal, no que depender do capital, quanto mais iniquidades,
melhor.
“Infelizmente, este é um fenômeno internacional. No Brasil, as mulheres
ganham cerca de 20% menos do que os homens numa mesma função,
mas na Europa, é cerca de 13% menos e isso é reflexo da estrutura do
mundo do trabalho”, diz Tauá Pires, da Oxfam.
A própria hierarquia das empresas, ressalta, “beneficia mais e
historicamente os homens do que as mulheres; e se a gente for agregar
a questão racial, isso se amplia ainda mais. Se for uma mulher negra, as
condições são ainda piores”.
Relatórios da Oxfam Brasil já apontavam, em 2017, que se for mantida a
atual diferença salarial, a evolução será muito lenta e a igualdade só
poderá ser atingida em 2047. E mantida a tendência dos últimos 20 anos,
os negros só terão equiparação salarial com os brancos no Brasil em
2089.
Outro ponto destacado por Tauá é o processo histórico que se deu na
divisão sexual do trabalho. “Além dessa diferença do salário, temos
também  a diferença da própria estrutura social. As mulheres exercem
um trabalho não remunerado no campo dos cuidados, no campo
doméstico, que é super importante para economia, para a sociedade e
para o Estado e essa função é atribuída à mulher, não sendo dividido de
maneira justa com os homens e nem com o Estado”.
Ela salienta que “é importante pautar a questão do trabalho doméstico
também a partir do viés econômico e compreender esse tema da
desigualdade salarial dentro de uma esfera mais ampla da desigualdade
no mundo do trabalho entre homens e mulheres e entre negros e
brancos”.
Tauá lembra, com base em dados contidos no relatório “Tempo de
Cuidar”, que “as mulheres ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de
horas todos os dias a esse tipo de trabalho, e isso corresponderia a
cerca de US$ 10,8 trilhões por ano na economia global, que é mais de
três vezes do que a indústria de tecnologia gera no mundo”. No entanto,
esse valor não é pago às mulheres, que seguem sendo as que mais
sofrem com toda a gama de iniquidades e violências dentro e fora do
país.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *