Lula quer retomar balança comercial de US$ 6 bi com Venezuela

Em encontro com o presidente Maduro, foram discutidas parcerias nas
áreas agrícola, energética, de segurança, ambiental, e na cooperação
bilateral.

Brasília (DF) 29/05/2023 – O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, chega
ao Palácio do Itamaraty para almoço com o presidente Lula.
Antes da ruptura de relações diplomáticas entre o governo de Jair
Bolsonaro e o governo de Nicolás Maduro, o intercambio comercial entre
Brasil e Venezuela chegou ao patamar de US$ 6 bilhões, em 2023,
caindo para US$ 1,7 bilhão em 2022. A ruptura não ocorreu por questões

práticas, mas ideológicas, já que Bolsonaro queria se alinhar à
hostilidade que o presidente dos EUA, Donald Trump, tinha com o país
sul-americano.
“Isso é ruim para a Venezuela e é ruim para o Brasil, porque o comércio
extraordinário é aquele que funciona em via de duas mãos”, disse o
presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Esta queda na balança comercial com o país vizinho foi uma lembrança
que Lula fez questão de mencionar no encontro histórico ocorrido nesta
segunda-feira (29), no Palácio do Planalto, com o presidente
venezuelano Nicolás Maduro. Agora, há tratativas para retomada desse
intercâmbio comercial.
O encontro marca a retomada das relações entre os dois países. Na
terça-feira (30), Maduro participa, ao lado de outros 11 chefes de Estado
sul-americanos, de reunião com o mandatário brasileiro.
Durante seu discurso, Lula lembrou que “a Venezuela sempre foi um
parceiro excepcional para o Brasil. Mas, por conta de contingências
políticas e equívocos, o presidente Maduro ficou oito anos sem vir ao
Brasil.”
Maduro não visitava o Brasil desde 2015, quando esteve na posse do
segundo mandato de Dilma Rousseff.
“É um prazer te receber aqui outra vez. É difícil conceber que tenham
passado tantos anos sem que mantivessem diálogos com a autoridade
de um país amazônico e vizinho, com quem compartilhamos uma
extensa fronteira de 2.200 km”, declarou Lula.
A suspensão da Venezuela do Mercosul, e o distanciamento do país com
o Brasil, gerou impactos negativos na balança comercial brasileira, com
perdas nos fluxos de exportações, que eram puxadas por produtos
básicos como açúcar, manteiga e cereais.
Anteriormente à crise, o estado de São Paulo exportava 70% de todos os
produtos brasileiros à Venezuela. No entanto, após diversos embargos
marítimos realizados por conta dos problemas políticos, as transações
econômicas se dão por terra, através da fronteira de Roraima e
Amazonas.
Após o início da crise, a influência brasileira foi mantida principalmente
na faixa de fronteira entre os dois países, especialmente no estado de
Roraima. Tanto as exportações formais para a Venezuela como o
pequeno comércio de fronteira têm crescido significativamente nos
últimos três anos.

Empresariado brasileiro
Lula também mencionou o problema que a ruptura diplomática cria para
empresários de ambos os lados, gerando insegurança para todos. A
ruptura também fez com que a Venezuela parasse de pagar as dívidas
que tinha com o governo brasileiro.
Apesar disso, o país estabeleceu uma economia de guerra para sua
recuperação. No ano passado, houve um surpreendente crescimento de
15% e neste ano há previsões do FMI e de vários organismos de que a
Venezuela vai crescer 5%.
“Sabemos das dificuldades que nós temos, da quantidade de empresas
que já estão na Venezuela e querem voltar para a Venezuela. Sabemos
da dívida da Venezuela, e sabemos que tudo isso faz parte, e vai fazer
parte de um acordo que a gente faça para que a nossa integração seja
plena”, declarou.
O presidente venezuelano disse que o país vizinho está “de portas
abertas” e “com plenas garantias” para o empresariado brasileiro. A
Venezuela enfrenta uma crise econômica há mais de uma década,
motivada pelas oscilações no preço internacional do petróleo e agravada
por disputas ideológicas com Estados Unidos que impôs 900 sanções
econômicas contra o país.
“Estamos preparados para que retomemos as relações virtuosas com os
empresários brasileiros. a Venezuela está de portas abertas, com plenas
garantias para todo o empresariado para que voltemos ao trabalho
conjunto. Acredito ser muito positivo. Nós amamos a história do povo
brasileiro, a força e alegria espiritual. Que nunca mais ninguém feche a
porta. Brasil e Venezuela tem que estar unidos, daqui para frente e para
sempre”, disse Maduro.
Acenos de parcerias
O presidente brasileiro afirmou, ainda que a cúpula de presidentes da
América do Sul, a ser realizada nesta terça (30) em Brasília, deve
debater o aprofundamento da integração do continente a exemplo do que
acontece na União Europeia e na União Africana.
Lula também disse ser pessoalmente favorável à adesão da Venezuela
ao Brics (grupo com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e pode
levar o tema ao grupo, se houver solicitação formal.
Em sua fala, Maduro reforçou o discurso de integração regional,
defendeu a construção do que chamou de uma nova América do Sul e
teorizou sobre a entrada da Venezuela no bloco dos Brics. “Junto aos

Brics, vemos, no âmbito geopolítico, elementos que podem nos fazer
avançar. A união de cinco países muito poderosos”.
Maduro, por sua vez, classificou o Brics como um “elemento avançado”
na construção do que chamou de “mundo novo, multipolar” e destacou,
principalmente, as possibilidades de articulações financeiras dentro do
bloco.
“Os Brics se transformaram em um grande imã de todos os países que
querem um mundo de paz, mais de 30 países querem entrar nos Brics.
Agora, no Banco dos Brics está uma grande brasileira, a presidenta
Dilma Rousseff. […] Se nos perguntarem, diremos que sim, queremos
ser parte dos Brics, de maneira modesta, acompanhar a construção da
arquitetura desse novo mundo que está nascendo”, disse.
Lula e Maduro assinaram memorandos de entendimento na área
agrícola, além de um mecanismo de supervisão da cooperação bilateral.
Lula disse que o Brasil quer retomar a “integração energética” com a
Venezuela. Segundo ele, serão retomadas as tratativas para que a
Venezuela volte a fornecer energia elétrica para Roraima, o único estado
do Brasil que não faz parte do Sistema Interligado Nacional (SIN) e
depende da geração de energia de termelétrica (mais cara e mais
poluente). O plano passa pela reativação do Linhão de Guri para garantir
o abastecimento elétrico do estado nortista.
“Temos 120 Mega Watts disponíveis, estamos prontos e precisamos de
um investimento básico de US$ 4 ou US$ 5 milhões para reconstruir as
linhas de transmissão. Se conseguirmos esse investimento, estaríamos
muito prontos para reconectar [a hidrelétrica de] Guri a Roraima,
esperamos a cooperação e o investimento de empresários brasileiros”,
disse o presidente da Venezuela.
O presidente Lula defendeu que os países da América do Sul recuperem
o conselho de defesa da região, dedicado à cooperação para segurança
nas fronteiras.
“Acho que tem que retomar. Para combater o crime organizado, o
narcotráfico e para preparar a defesa fronteiriça é preciso ter Forças
Armadas coesas, trabalhando juntas e se preparando para garantir a
soberania dos países”, disse.
Segundo Lula, o dispositivo foi bem-sucedido e construído por
unanimidade no âmbito da União das Nações Sul-americanas (Unasul).
Para Maduro, a cooperação em defesa entre os países jamais deveria ter
se encerrado. Segundo ele, no âmbito bilateral, Brasil e Venezuela estão

em conversas para estabelecer um novo protocolo de defesa e combate
aos crimes fronteiriços. “Temos quatro anos de falta de comunicação em
temas como segurança e defesa e isso agravou a situação nas
fronteiras”, disse em coletiva de imprensa ao lado de Lula.
Sonho da integração
Lula disse saber das “dificuldades” na relação da Venezuela com o Brasil
e com o resto do mundo – citou como exemplos a dívida externa e o
combate ao narcotráfico –, mas afirmou que o governo buscará uma
“integração plena” entre os dois países. E falou também da importância
de integrar todo o continente, um debate que fará amanhã com os líderes
dos países vizinhos.
“Se a gente estiver junto, nós temos 450 milhões de pessoas, a gente
tem um PIB de quase US$ 4,5 trilhões. A gente tem força no processo de
negociação e é por isso que esse momento [cúpula] é importante”,
completou.
Lula sempre destaca a importância dos países do continente estarem
integrados para se impor como bloco econômico no mundo.
”Esse momento é importante por muitas razões, mas uma delas é porque
a América do Sul tem que se convencer que temos que trabalhar como
se fosse um bloco. Não dá para ninguém imaginar que, sozinho, um país
da América do Sul vai resolver seus problemas que perduram mais de
500 anos”, completou Lula.
Lula disse ainda que “sonha” que os Brics possam criar a sua própria
moeda, de modo a contornar a hegemonia do dólar no comércio
internacional. As desconfianças dos países em relação à moeda norte-
americana aumentaram após a série de sanções impostas contra a
Rússia em reação à guerra na Ucrânia.
“Por exemplo, o Maduro não tem dólar para pagar suas exportações ,
quem sabe ele começa a pagar em yuan. Quem sabe a gente possa
receber em outra moeda”, disse Lula. “A culpa é dele? Não. A culpa é
dos Estados Unidos, que fez um bloqueio extremamente exagerado. Eu
sempre acho o bloqueio pior que uma guerra. Na guerra morre o soldado
que está em batalha, no bloqueio mata crianças, mulheres, pessoas que
não têm nada a ver pela disputa ideológica”, acrescentou.
“Só um país tem a máquina de fazer dólar e esse país faz o que quiser
com o dólar. Não é possível que a gente não tenha mais liberdade. Eu
sonho que os Brics possam ter uma moeda, como o Euro na União
Europeia”, disse.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *