Má gestão do Auxílio Brasil contribuiu para aumento de 50% na pobreza

Segundo o IBGE, a extrema pobreza bateu recorde com aumento de
quase 50% em dois anos, agravada pela “gestão errática” do governo
por  Cézar Xavier

 

Brasília – Cidade Estrutural (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Ao divulgar, na sexta-feira (2), que 62,5 milhões de pessoas foram
consideradas pobres (29,4% da população) em 2021, segundo dados do
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as manchetes
apressaram-se a atribuir à pandemia o avanço recorde dos números. No
entanto, os fatores que levaram a este resultado vão além da pandemia e
“dá pra empilhar como bolachas de chopp em bar”, segundo a cientista

política da Sociologia e Política – Escola de Humanidades (FESP), Roseli
Coelho.

Estudiosa das políticas do Estado de Bem Estar Social, ela aponta
ao Portal Vermelho uma série de “medidas erráticas” do governo
Bolsonaro, entre outros fatores, que contribuíram para o agravamento da
miséria no Brasil. O número de brasileiros vivendo abaixo da linha da
pobreza aumentou 22,7% na comparação com 2020. Já o número de
pessoas em situação de extrema pobreza saltou 48,2% no mesmo
período.
A avaliação do próprio analista da pesquisa André Simões aponta a
insuficiência da recuperação do mercado de trabalho, em 2021, para
reverter as perdas de 2020. “Isso e a redução dos valores do Auxílio-
Emergencial, podem ajudar a explicar esse resultado”, avaliou André
Simões, analista da pesquisa.

Auxílio errático
Para a professora Roseli, a gestão do Auxílio Emergencial é a chave
para entender muito dos efeitos desta pesquisa do IBGE. Ela admite que,
em parte, a pandemia tem responsabilidade sobre estes números,
porque afetou a todos, em particular as famílias mais pobres. “Mas vários
outros fatores precisam ir pra cima da mesa”.
Ela considera “muito errática” a maneira como foi administrado o Auxílio
Emergencial e o Auxílio Brasil. Mesmo antes da pandemia, ela aponta
que foram excluídas, em 2019 e 2020, um milhão e meio de famílias,
algo em torno de cinco milhões de pessoas. “Adotaram um filtro que
ninguém sabe muito bem o que é. Ficou tudo muito mal explicado. O que
podemos dizer com certeza é que foi profundamente injusto”, afirma.
Partindo dessa perspectiva de gestão do programa de distribuição de
renda, ela considera que se pode dizer que “a coisa toda começou no
primeiro ano do governo Bolsonaro”.
“A demorada e caótica aprovação do auxílio, durante a pandemia,
dificultou o acesso ao benefício. Na prática, muitas pessoas tiveram o
benefício aprovado e não conseguiram receber. Pessoas com
dificuldades de acessar o aplicativo, por exemplo”, lembrou, citando
ainda as filas humilhantes nas portas da Caixa Econômica Federal.

Empobrecimento em cascata

A cientista política usa a imagem do avanço “em cascata” da pobreza,
conforme diminui a atividade econômica com a pandemia. Um efeito
cascata que alcança todo mundo de forma perversa.
Ela conta que a gerente da loja de shopping que fechou, perdeu o
emprego e dispensou a empregada doméstica. “Esta que pagava algo
para uma vizinha cuidar de seus filhos, também deixa de fazer circular
este dinheiro naquele bairro muito pobre”.
Ela continua exemplificando com exemplos reais que conhece, ao citar a
manicure de bairro que não ganha salário do salão, mas um percentual

das clientes que atender. “Nos primeiros meses da pandemia, achei que
essa moça fosse morrer de fome, porque o salão fechou”.
Após o momento mais grave da pandemia, a recuperação da economia
está sendo muito lenta, conforme diz o próprio analista do IBGE. No final
da quarentena, muitos estabelecimentos que fecharam não voltaram.
Precarização do trabalho
Mas Roseli ainda pondera sobre as reformas trabalhistas que vêem
desde o governo de Michel Temer e aprofundadas com Bolsonaro, que
ela considera “um primeiro incentivo ao empobrecimento”.
“Já vínhamos do trabalho intermitente, que permite que as pessoas
sejam contratadas por três horas e depois voltem pra casa. Conheço um
jovem que descarregava caminhão e recebia por mês. Ele passou a
receber somente quando tem caminhão para ser descarregado”, relata.
A pesquisadora ainda aponta outras atitudes erráticas e preconceituosas
do governo Bolsonaro com as pessoas que mais precisam. “Várias
pessoas são sustentadas pelo salário mínimo de um aposentado idoso.
Além de muitas dessas pessoas terem morrido na pandemia, o salário
mínimo está há anos sem aumento real”, observa.
O programa de crédito para pequenas empresas também não foi
elaborado com o carinho que essas pessoas mereciam, na opinião dela.
Muitas se endividaram para garantir o salário dos funcionários e, agora,
sofrem os efeitos da economia recessiva e do endividamento. “Os
bancos precisariam acolher essas pessoas, ver o núcleo da dívida, e
fazer uma proposta realmente favorável para essas pessoas”.
Desta forma, a professora Roseli critica a miopia do governo ao ignorar a
capacidade de alavancagem da economia provocada pela valorização do
mercado interno de consumo e as políticas de distribuição de renda.
“Para além do que fazer na macroeconomia, deveria tratar no detalhe,
com carinho e atenção, todos esses programas de transferência de
renda. As pessoas pobres que recebem esse recurso, dinamizam o
pequeno comércio local, que movimenta a rede de matérias primas”.
A crise da educação provocada pela pandemia também deve afetar os
índices de pobreza, conforme crianças no momento mais vulnerável de
sua formação ficaram sem aulas. “Vamos colher frutos negativos durante
muito tempo, como as crianças pobres que não ficaram na escola. É uma
farsa dizer que as crianças tiveram aula online”.
Para ela, esses dados revelam a “importância da PEC da transição
passar e acudir tanta gente”. Ela refere-se ao esforço do Gabinete de

Transição do presidente eleito Luis Inácio Lula da Silva, em aprovar com
emergência uma Emenda Constitucional que garante os programas de
transferência de renda fora do Teto de Gastos, já no início do governo.

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