Sob investigação, Bolsonaro foge do Brasil pela porta dos fundos

Presidente evita informar o país sobre seu destino e promove ruptura
inédita com ritos democráticos ao partir para Miami, nesta sexta.

Com mandato terminando neste sábado (31), Jair Bolsonaro já saiu do
país, as 14h02, sem dar satisfação sequer a seu vice ou a seus
apoiadores. Segundo a imprensa, ele já está com reservas num luxuoso
resort da Flórida (EUA), para onde vai com toda a família com despesas
pagas pelos brasileiros. Vários fatores tornam essa viagem uma saída
pelas portas dos fundos do Palácio. A principal delas é a confirmação de
que não estará na cerimônia de posse para fazer a tradicional passagem
da faixa presidencial para Lula. Ele sequer avisou de sua viagem seu
vice, Hamilton Mourão, que assume a Presidência ainda hoje.
O silêncio por dois meses para evitar gerar provas judiciais contra si
mesmo, decretos ao apagar das luzes, a dificuldade de declarar sua
derrota para Lula, e o estímulos a manifestações golpistas e terroristas,
reforçam esse clima de abandono desonroso. Apesar da coincidência,
Bolsonaro parece se disfarçar para fugir em meio ao luto nacional pela
morte de Pelé.
Para piorar, Bolsonaro não faz qualquer afirmativa em torno de sua
situação após o governo, suas férias ou saída de Brasília, mantendo o
ambiente sigiloso e opaco de seu governo. Na manhã desta sexta-feira,
Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo nas redes sociais em que não
mencionou a viagem e fez comentários codificados sobre suas ações
para bons entendedores. Apesar disso, falou em tom de despedida e não
dá sinal de que voltará. Não à toa, seus apoiadores o xingam nas redes
sociais.
As únicas informações obtidas são a partir de apuração detetivesca da
imprensa. De acordo com sistema de monitoramento do tráfego aéreo, o
avião presidencial tem decolagem prevista para as 13h45 da Base Aérea
de Brasília com destino ao Aeroporto Internacional de Orlando, nos
Estados Unidos. No final, o voo da FAB deixou o Brasil às 14h02.
A sensação de que Bolsonaro está em fuga do país é expressa apenas
pelo Diário Oficial da União desta sexta-feira, que publicou a autorização
para cinco assessores e uma militar seguirem com Bolsonaro para
Miami. A publicação revela que ele fica durante todo o mês de janeiro no
balneário americano, classificada como “agenda internacional”. Há quem
diga que há uma ilegalidade no fato dele ter viajado hoje, quando o D.O.
registra a viagem a partir do dia 1o. de janeiro. Outra equipe precursora
já esteve em Orlando para preparar a recepção de Bolsonaro, desde
quarta-feira (28).
Apesar de tantos gastos públicos, o presidente não diz nada nem a seus
apoiadores, nem ao resto do país. O fato de não ter comunicado sequer
seu vice, deixa o país num vácuo de governo inédito, que soa a mais

uma agressão aos ritos democráticos e mais uma das muitas traições à
sua base de extrema direita, em vigília à espera de seu último golpe de
estado.
Covardia e dano público

Sinalizações da fuga de Bolsonaro inundaram as redes sociais, desde
ontem, em hashtags como #Jair, #Cagão e #BolsonaroCovarde, além de
outras relativas ao clima de fim de governo (Operação Nero, 5 Trilhões,
Golpe, Grande Dia). Nesta sexta, os trend topics incluem #Fugindo, #O
Bolsonaro, #Acabou Bolsonaro, #Frouxo, #Patriotários e #Jair.
Embora o risco de prisão de Lula fosse certo, após o impeachment de
Dilma, com oferta explícita de asilo político por parte de outros países,
nenhum dos dois fez movimentações neste sentido. Lula, inclusive,
enfrentou os 580 dias de cárcere, sempre afirmando sua inocência. Não
é o caso dos Bolsonaros. Estão todos fora do Brasil, com sinalizações de
correr atrás de uma dupla cidadania italiana, por exemplo.
Nesta quinta, a Polícia Federal indiciou Bolsonaro por incitação ao crime
e alarmismo, ao analisar declarações dele contra a vacinação e o uso de
máscaras. Mas existem vários outros processos em andamento ou por
abrir contra o ex-presidente que perde o foro privilegiado em um dia.
Devido ao acúmulo de acusações e investigações, houve inclusive
manifestações de organizações e personalidades apelando para medidas
que impedissem Bolsonaro de sair do país.
O deputado federal Rui Falcão (PT-SP) entrou com uma representação
na Procuradoria-geral da República (PGR) contra a viagem. O deputado
cobra a adoção de medidas preventivas e cautelares para evitar que o
dano ao patrimônio público material e moral se concretize.
“Bolsonaro foge para aproveitar o Réveillon em Miami, com dinheiro
público e deixa aqui no Brasil um legado de miséria e uma horda de
delinquentes dispostos a cometer atentados”, diz o advogado Fabiano

Silva dos Santos, que assina a ação ao lado de Marcos Aurélio de
Carvalho e Pedro Estevam Alves Pinto Serrano.
“A viagem, que aconteceria na última semana do mandato de Jair
Bolsonaro na Presidência da República, tem evidente caráter ilegal e
imoral, já que a utilização da aeronave pertencente à FAB se destinaria a
fins de natureza evidentemente particular e personalíssima”, argumentam
eles na ação.
Eles acrescentam que o “abuso de poder e o desvio de finalidade no uso
do avião” estão ainda mais evidenciados pelo “forte indício de que a
viagem representa uma verdadeira fuga pessoal e política aos
compromissos republicanos da tradição democrática, como é o caso da
simbólica transferência da faixa presidencial.”
A ação destaca ainda o prejuízo ao erário, “já que o transporte aéreo
privativo é serviço extremamente custoso, ao passo que diversas outras
alternativas, especialmente através de voo comercial de carreira,
poderiam ser adotadas”. “Fere-se, portanto, a regra constitucional da
proporcionalidade e razoabilidade da conduta administrativa”, afirma.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *