Condenação de hacker Walter Delgatti à prisão é suspeita

Ao condenar Delgatti, juiz Soares Leites evocou, entre outros artigos,
justamente aquele “do qual Moro abusou”, mas saiu impune

Do ponto de vista legal, não há dúvidas de que o “hacker da Vaza Jato”,
Walter Delgatti Jr., cometeu crimes pelos quais deverá cumprir uns bons
anos de pena, incluindo a prisão. Nem por isso convém desconsiderar as
circunstâncias de sua condenação, anunciada de modo surpreendente
nesta segunda-feira (21).
A sentença foi proferida por Ricardo Augusto Soares, juiz substituto da
10ª Vara Federal do Distrito Federal. Delgatti foi condenado por invasão
de dispositivo informático, organização criminosa, lavagem de dinheiro e
interceptação de comunicações.
Em meio a isso, ele está no centro de investigações que podem levar Jair
Bolsonaro (PL) à cadeia, ainda neste ano, por tentativa de golpe de
Estado. Em seu depoimento na semana passada à Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPMI) sobre os atos golpistas de 8 de janeiro,
o hacker detalhou o envolvimento do ex-presidente e de seu governo
num estelionato para pôr em xeque as urnas eletrônicas. Conforme suas
declarações, ele chegou a se reunir com o próprio Bolsonaro no Palácio
da Alvorada.
É no auge dessas revelações que a Justiça do Distrito Federal o condena
a 20 anos e um mês de prisão no âmbito da Operação Spoofing, em
curso desde 2019. A operação não tem vínculo com Bolsonaro, mas,
sim, com a Lava Jato. Delgatti se tornou o homem-bomba a desmascarar
a operação, divulgando à imprensa o conluio entre o ex-juiz Sergio Moro
e procuradores ligados à força-tarefa, como Deltan Dallagnol.
Ao invadir conversas privadas no aplicativo Telegram, o hacker teve
acesso a provas de que a operação era conduzida de modo imparcial, a
fim de prejudicar o PT e, especialmente, Luiz Inácio Lula da Silva. A
revelação das conversas pelo site The Intercept Brasil ficou conhecida
como Vaza Jato e foi fundamental para desmoralizar a operação, expor a
suspeição de Moro e invalidar condenações injustas.
O hacker está preso desde o início de agosto, em caráter preventivo, já
que se envolveu em uma manobra da deputada Carla Zambelli (PL-SP)
para o tal golpe que garantiria a continuidade de Bolsonaro na
Presidência. Curiosamente, durante o depoimento à CPMI, o parlamentar
que mais contestou a credibilidade de Delgatti não foi um bolsonarista
raiz – mas, sim, Moro. Delgatti não passou recibo, e o momento mais
intenso do embate entre eles evocou justamente a Vaza Jato:
MORO: “Quantas pessoas já foram vítimas do estelionato que o senhor
praticou?”
DELGATTI: Relembrando que eu fui vítima de uma perseguição em
Araraquara, inclusive equiparada à perseguição que vossa excelência fez

com o presidente Lula e integrantes do PT. Ressaltando que eu li as
conversas de vossa excelência, li a parte privada – e posso dizer que o
senhor é um criminoso contumaz. Cometeu diversas irregularidades e
crimes.”
MORO: “Não pode chamar um senador de criminoso, cometendo um
crime de calúnia.”
DELGATTI: “Eu peço escusas então.”
De uma tacada só, o hacker não só recolocou “irregularidades e crimes”
de Moro sob os holofotes – como também expôs a tática primária e
atabalhoada do senador. Chama atenção, no entanto, que a sentença a
condenar Delgatti nesta segunda, além do timing inusitado, faz coro às
críticas feitas por Moro na CPMI.
“(Delgatti) é reincidente, conforme comprova sua ficha criminal e possui
outros registros penais. Conduta social que deve ser avaliada de forma
desfavorável (…) com seu intento criminoso”, escreveu o juiz Soares
Leites. É o mesmo juiz que já determinou a suspensão dos trabalhos do
Instituto Lula, em 2017, e a entrega do passaporte do petista, em 2018.
A condenação também lembra os “dois pesos” da Justiça quando temas
ligados à Lava Jato entram em pauta. O jornalista Leandro Demori, que
participou da cobertura da Vaza Jato no Intercept, foi um dos primeiros a
indicarem a ironia da sentença de Soares Leites.
“Quando Sérgio Moro grampeou uma presidenta da República de modo
ilegal, ele foi acusado de violar o artigo 10 da Lei 9.296/1996 (Lei das
Interceptações Eletrônicas). Moro foi defendido publicamente pela OAB,
pela Associação dos Juízes Federais do Brasil e pela imprensa
comercial”, lembrou Demori, no Twitter.
Segundo o jornalista, o então juiz, sob tamanha blindagem, limitou-se a
pedir “’escusas’ por ter interceptado ligações de Dilma e Edson Fachin
deixou passar por isso mesmo no STF”. Ao condenar Delgatti, Soares
Leites evocou, entre outros artigos, justamente aquele “do qual Moro
abusou”, mas saiu impune. Por diversos aspectos, a condenação de
Delgatti nesse contexto é, no mínimo, muito suspeita.
Fonte: Vermelho

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