Tarcísio subsidia linhas privadas do metrô e impõe prejuízo às públicas

As linhas públicas transportam o dobro de passageiros, mas são as linhas privatizadas que abocanham a maior parte do dinheiro arrecadado com o bilhete único.

Em meio ao caos dos trilhos e estações de São Paulo, um debate
fervilha sobre a privatização parcial do transporte sobre trilhos na cidade.
Enquanto algumas linhas são operadas pelo metrô e pela CPTM
(Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), empresas públicas,
outras foram concedidas a consórcios privados. No entanto, o que
deveria ser uma solução para melhorar o serviço acabou por gerar uma
série de problemas, principalmente em relação à qualidade e ao custo do
serviço. Mas o que chama a atenção é o mistério em torno dos contratos
de concessão e divisão dos dividendos das tarifas.
O discurso do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) é de que
essas “parcerias público-privadas” são necessárias para viabilizar
investimentos sem comprometer os recursos do Estado. No entanto, o
que se descobriu é que essas empresas que atendem poucos usuários
recebem praticamente todo o dinheiro público, enquanto as linhas
públicas recebem migalhas do Bilhete Único. Quem atende a maior parte
da população paulista fica com apenas 7% de todo o recurso arrecadado.
Não seria melhor ter mantido o caráter público das linhas? Qual o
benefício da privatização?
Não é de hoje que as linhas operadas pela ViaMobilidade são
investigadas pello Ministério Público de São Paulo pelas falhas e
transtornos na vida dos usuários. Os problemas nas linhas privatizadas
são tão frequentes, que este processo é posterior àquele que resultou
em um acordo que prevê pagamento de R$ 150 milhões em indenização
aos cofres públicos. Foi a partir das investigações do MP-SP, que se
descobriu que ninguém sabe para onde ia o dinheiro do bilhete único, a
principal fonte de receita tarifária do sistema de transporte.
Leia também:  Linhas de trem privatizadas têm três vezes mais falhas
Enquanto Tarcísio elogia, linha privatizada tem pane e trecho é
paralisado
Plebiscito: 97% são contra privatização da Sabesp, Metrô e CPTM
O problema disso, é que Tarcísio tem urgência para privatizar todas as
outras linhas do Metrô e da CPTM. A pergunta que fica é se vai haver
alguém interessado em assumir a operação complexa de linhas sem
manutenção, há anos, se o dinheiro já vai todo para a ViaMobilidade e a
Via4, da CCR. Os mais de 40% do Bilhete Único que vão para essas
empresas estão previstos no contrato de concessão, apesar das
tentativas de esconder isso, portanto, aparentemente inegociáveis. O
contrato prevê prioridade das empresas privadas no acesso aos recursos
do Bilhete Único. Qual a fórmula que o governador tem para oferecer às

novas concessionárias, se as linhas à venda só recebem migalhas do
Bilhete Único?
Você sabe para onde vai o dinheiro do Bilhete Único?
Uma investigação revelou que as linhas privatizadas da CPTM enfrentam
até três vezes mais incidentes do que aquelas operadas pela empresa
pública. Além disso, surgiu uma questão ainda mais grave: o alto custo
que o Estado paga às concessionárias privadas por esses serviços. Esse
valor era um mistério, uma verdadeira caixa preta, até uma reportagem
meticulosa e exaustiva da repórter Juliana Sayuri, do UOL, revelar o
escândalo.
Os documentos mostram não apenas falhas operacionais preocupantes,
como trens parando entre estações e passageiros sendo obrigados a
caminhar sobre os trilhos, mas também a discrepância no tratamento das
empresas públicas e privadas. A repórter foi confrontada por uma fonte
que perguntou se ela sabia para onde vai o dinheiro do Bilhete Único. O
que parecia óbvio, uma planilha com os números e destinações, não só
não existia, como parecia impossível de ser obtida.
O bilhete único permite a integração entre ônibus, metrô, CPTM e agora
as linhas privatizadas. Porém, a divisão desse montante bilionário entre
as operadoras de transporte não é transparente. Essa falta de
transparência levanta questões sobre a eficiência e a equidade do
sistema, além de alimentar suspeitas sobre possíveis benefícios
indevidos às concessionárias privadas.
Divisão desigual: o mistério agora é outro
Nos corredores do transporte público de São Paulo, uma discrepância
financeira chama a atenção: o destino do dinheiro proveniente das
recargas do bilhete único. Enquanto os usuários contribuem para uma
conta centralizadora toda vez que recarregam seus cartões, a forma
como esse montante é distribuído é motivo de debate e questionamento.
A SP Trans, responsável pela administração do sistema de ônibus na
cidade, figura como a principal detentora dos fundos arrecadados. No
entanto, surpreendentemente, as linhas que transportam menos
passageiros recebem uma fatia maior desse bolo financeiro do que as
que movimentam um maior volume de pessoas.
A explicação para essa disparidade está nos contratos de concessão.
Após a SP Trans, a linha 4 – Amarela do metrô, operada pela Via 4 (do
grupo CCR), é a próxima na fila para receber os recursos. Em seguida,
vêm a linha 5 – Lilás e as linhas 8 – Diamante e 9 – Esmeralda da
CPTM, ambas operadas pela Via Mobilidade (também do grupo CCR).

Essa hierarquia na distribuição dos recursos levanta questões sobre a
justiça e a eficácia do sistema. Enquanto as empresas privadas recebem
prioridade e uma parcela maior do dinheiro do bilhete único, as empresas
públicas, como o metrô e a CPTM, ficam com uma fatia menor, mesmo
transportando a maior parte dos passageiros.
A falta de transparência nesse processo é preocupante.
Questionamentos sobre como são determinados os percentuais de
divisão e por que as linhas privatizadas recebem uma fatia tão grande
mesmo transportando menos passageiros permanecem sem resposta
por parte das autoridades e das empresas envolvidas.
Em 2022, por exemplo, das receitas totais do bilhete único, 65% foram
destinados aos ônibus, administrados pela SP Trans, enquanto as linhas
privatizadas receberam 28% e as linhas públicas apenas 7%, mesmo
tendo transportado mais de um bilhão de passageiros, mais que o dobro
das privatizadas.
O Capitalismo sem riscos das privatizações paulistas

Foto Paulo Pinto/Agência Brasil
Enquanto as linhas públicas transportam o dobro de passageiros, são as
linhas privatizadas que abocanham a maior parte do dinheiro arrecadado
com o bilhete único. Uma situação que levanta questionamentos sobre o
verdadeiro propósito das parcerias público-privadas.
Lendo os contratos públicos que regem as concessões do transporte
público em São Paulo, o que, por si só, é difícil de acessar, as
informações sobre a divisão financeira não estão especificadas. Segundo
os contratos, as linhas privatizadas recebem prioridade no acesso aos
recursos provenientes do bilhete único. Esse privilégio, mesmo para as

linhas que transportam menos passageiros, reflete uma lógica de
“capitalismo sem riscos”, onde os lucros são privatizados, mas os
prejuízos são socializados.
Rafael Benini, secretário da Secretaria de Parcerias e Investimentos do
governo Tarcísio, defende essa divisão como parte dos contratos
estabelecidos. É escandaloso, mas não é ilegal. Embora as parcerias
público-privadas sejam necessárias para viabilizar investimentos sem
comprometer os recursos do Estado, é o contribuinte que está garantindo
a viabilidade das empresas privadas, e não o seu lucro. A falta de
transparência e a dificuldade em obter informações completas revelam
as brechas no sistema e levantam suspeitas sobre os reais interesses
por trás dessas concessões.
Para desvendar tantos mistérios envolvendo uma questão pública, foi
preciso enfrentar obstáculos e dribles das autoridades e empresas
envolvidas. A falta de resposta ou respostas evasivas mostram como o
acesso à informação ainda é um desafio no Brasil. Somente o vazamento
de informações por fontes internas das empresas permite que se
encontre uma lógica imoral nestes contratos.
A saga do usuário do transporte sobre trilhos

fotos: Roberto Parizotti
Em meio aos corredores cinzentos e estações movimentadas do
transporte público de São Paulo, uma batalha é travada todos os dias.
Enquanto as autoridades e empresas disputam a divisão dos recursos do
bilhete único, os verdadeiros protagonistas desse drama são os
passageiros. O telejornal matinal mostra exaustivamente as

adversidades do transporte público, como atrasos, superlotação e
problemas estruturais no dia a dia.
No entanto, o telejornal, em sua superficialidade demagógica, jamais
conta porque isso está ocorrendo. Para esse jornalismo, a luta dos
trabalhadores do transporte, como os metroviários e ferroviários, para
frear o projeto de privatização das linhas de trem e metrô, não é fonte de
notícia. A defesa editorial cotidiana das privatizações por esses veículos
vê esses agentes como adversários que precisam ser silenciados. Assim,
fica mais fácil a população acreditar que as linhas públicas precisam ser
privatizadas para oferecerem um serviço melhor.
É através da articulação dos trabalhadores contra a privatização, que é
possível descobrir que até mesmo vereadores alinhados ao governador
privatista são contrários a esta prioridade de governo. A surpreendente
solidariedade de políticos do mesmo partido de Tarcísio e de seu
governo, evidencia a importância desses serviços públicos para as
comunidades mais distantes do centro da cidade. Eles estão nas pontas
da região metropolitana da capital e sabem a importância que os trilhos
exercem sobre a vida de cidades como Ferraz de Vasconcelos, Poá,
Suzano, Itaquaquecetuba e Mogi das Cruzes.
O jovem Vitor Gonçalves, um analista de TI de 21 anos, se tornou porta-
voz dos passageiros. Através de seu perfil no Instagram, o Via
Imobilidade, compartilha suas experiências e as reclamações que recebe
de outros usuários. Ele relata problemas como a falta de sinalização,
extintores de incêndio trancados e a inconsistência das informações nos
monitores das estações.
Além disso, Vitor desenvolveu uma paixão pelos trens, especialmente
pelo modelo espanhol que, apesar de confortável, nunca foi totalmente
adaptado para as necessidades do transporte metropolitano de São
Paulo. Ele também compartilha a história do trem Q148, emprestado pela
CPTM à Via Mobilidade, que foi devolvido sucateado apenas alguns
meses após o uso. Este é mais um exemplo revelador de que as
empresas concessionárias sequer precisam ter os meios adequados
para executar os serviços. Quem fornece, emprestado, os trens para
elas, é a empresa pública. Novamente, se pergunta qual o benefício da
privatização, se quem banca tudo é o Estado?
A devolução “estrupiada” do trem Q148 à CPTM ilustra os abusos
praticados pelas empresas privadas que assumem a responsabilidade de
operar as linhas ferroviárias.

Fonte: Vermelho

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