Com quantos trilhões se paga a dívida da escravidão?

A África tentou estimar o pagamento que deveria receber de compensação por conta da escravidão foi em 1999, numa conferência em Acra.

Portugal deve indenizar o Brasil e a África por crimes coloniais como o
tráfico negreiro – e quem diz isso é o presidente Marcelo Rebelo de
Sousa, empossado há menos de 50 dias. É a primeira vez que um líder
português assume publicamente a responsabilidade do país pela
escravidão.
Não se sabe quando, não se sabe quanto – mas sabe-se o porquê.
Durante mais de três séculos, a metrópole portuguesa foi responsável
por sequestrar quase 6 milhões de africanos para trabalhar nas colônias,
especialmente no Brasil.
“Temos que pagar os custos”, afirmou Rebelo na terça-feira (23), às
vésperas dos 50 anos da Revolução dos Cravos. “Há ações que não
foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram
saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar
isso.”
O próprio presidente admite que ações simbólicas não têm mais valor
nenhum. A seu ver, “pedir desculpas é a parte mais fácil”. O problema vai
além. As escolas portuguesas reproduzem uma visão distorcida da era
colonial, que ressalta o heroísmo e o protagonismo do país nas Grandes
Navegações, relativizando a escravidão.
Somando-se todo o tráfico negreiro patrocinado pelo conjunto das
metrópoles europeias – além de Portugal –, ao menos 12,5 milhões de
africanos foram sequestrados e traficados entre os séculos 16 e 19. Com
quantos trilhões se paga essa dívida histórica?
Além de submeter à África à “condição eterna” do subdesenvolvimento e
da miséria, a escravidão reforçou o racismo sistêmico contra negros,
indígenas e imigrantes. Na América Latina, a imensa maioria dos povos
originários foi dizimada. Recursos minerais foram usurpados em grande
escala. A produção agrícola na plantation abastecia as metrópoles, sem
contrapartida às colônias.
A primeira vez em que a África tentou estimar o pagamento que deveria
receber de compensação por conta da escravidão foi em 1999, numa
conferência em Acra (capital de Gana). Vários países compartilharam
estudos sobre o impacto econômico do tráfico. Uma comissão, a par
dessas informações, projetou o valor de reparação em US$ 777 bilhões –
o equivalente a pouco mais de R$ 4 trilhões.
O valor se baseava em cinco perguntas: como africanos e asiáticos
foram afetados pela escravidão? Quem é responsável pelo pagamento
da indenização? Qual pesquisa histórica deve ser feita para determinar o
que ocorreu? Como pode ser medida a compensação pela destruição de
civilizações? Quem tem o direito de receber o pagamento da reparação?

No caso do Brasil, estudo publicado em 2023 pela Universidade de West
Indies (EUA) concluiu que as potências europeias – e não só Portugal –
devem nada menos que R$ 135 trilhões de indenização para reparar
danos e prejuízos. Outra pesquisa, o Relatório Battle, fala em R$ 640
trilhões.
Também em 2023, 75 nações se uniram numa “frente unificada” para
exigir reparação econômica. O encontro, mais uma vez, ocorreu em
Acra. Eram 55 países da África (representadas pela União Africana) e 20
da América Latina e Caribe (representados pela Comunidade do Caribe,
a Caricom). Há um consenso entre eles: não existe reparação histórica
sem restituição financeira. Só do Brasil, cobram R$ 21 trilhões.
A justiça reparatória pela escravidão está na ordem do dia. Quando o
tema ganhou força dos Epediu “stados Unidos, o então presidente
Barack Obama – primeiro negro à frente da Casa Branca – decepcionou
e se disse contrário a qualquer tipo de compensação. Por isso, o gesto
de Marcelo Rebelo de Sousa merece aplauso.
Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), divulgado no
ano passado, respaldou a causa. “De acordo com a lei internacional de
direitos humanos, a compensação por qualquer dano economicamente
avaliável, conforme apropriado e proporcional à gravidade da violação e
às circunstâncias de cada caso, também pode constituir uma forma de
reparação”, aponta o texto.
O que esperar, então, da declaração do presidente de Portugal? A
ministra brasileira da Igualdade Racial, Anielle Franco, pediu “ações
concretas” de Rebelo. “Nossa equipe já está em contato com o governo
português para dialogar sobre como pensar essas ações e, a partir
daqui, quais passos serão tomados”, afirmou Anielle.
O Brasil precisa apoiar a proposta de criação de um tribunal internacional
sobre o tráfico transatlântico de escravizados. É uma causa que unira o
País à África numa luta internacional contra o apagamento histórico. O
presidente do Portugal está no caminho certo.

Fonte: Vermelho

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